Os devaneios do poder

De José Luiz Boromelo:
“Se quiser conhecer um homem, dê-lhe o poder”. Esta frase em tradução livre do grande estadista norte-americano Abraham Lincoln ilustra perfeitamente certas atitudes daqueles transitoriamente investidos do poder. O cidadão brasileiro é freqüentemente coagido a aturar opiniões estritamente pessoais emitidas por seus governantes. Mesmo sem ter o domínio técnico do assunto nem serem especialistas da área, suas conclusões acabam influenciando posicionamentos. E nesse rol de esquisitices identificam-se algumas “pérolas” memoráveis. Num passado não muito distante, o presidente garantiu que a crise econômica mundial que se avizinhava não passava de uma simples “marolinha” para o Brasil. Não foi bem isso o que ocorreu. Apesar das medidas tomadas para garantir o crescimento do país, as conseqüências se fizeram presentes. Agora eis que a atual ocupante do mesmo cargo defende e alardeia a idéia de que “o crescimento de um país não é medido pelo tamanho de seu PIB, mas pelo que faz pelas suas crianças e adolescentes”.
Interessante seria que a presidenta viesse a público (como uma forma de justificar o injustificável) e enumerasse as medidas efetivas de seu governo no atendimento às crianças e adolescentes (já que por conta e risco próprios tentou descaracterizar o pífio crescimento da economia, mudando o foco do assunto) para corroborar a aludida afirmação. E também que fosse mais específica citando quais os programas governamentais (que obtiveram resultados práticos) viabilizados para promover a formação das futuras gerações. Generalizar uma situação utópica utilizando a semântica para dissimular a realidade evidente é acima de tudo, uma demonstração de desrespeito para com a inteligência das pessoas.
É de pleno conhecimento que as instituições públicas destinadas a ressocialização de menores infratores não cumprem com o seu papel, expondo os internados aos malefícios da convivência altamente perniciosa. A atual política antidrogas é falha e os problemas vão desde o baixo investimento em prevenção e no tratamento de dependentes até a falta de estrutura das polícias para reprimir o crime. A utilização de menores no tráfico tem aumentado significativamente sem que as autoridades consigam sequer identificar os envolvidos e não existem perspectivas de grandes investimentos na área de segurança pública. Os discursos demagógicos observados agora são o reflexo de um governo sem objetivos específicos, uma vez que as iniciativas governamentais não atendem aos requisitos básicos para o engajamento do jovem em áreas importantes da sociedade. Existe a necessidade urgente de inserção desse contingente no primeiro emprego, até como forma de complementar a renda familiar.
Resta saber o que pensam os profissionais da área sobre essa declaração deliberadamente omissa para com a realidade atual da economia do país. E nem é preciso ser técnico no assunto para constatar que o poder realmente inebria e contagia a quem dele se deixa influenciar. O noticiário mostra diariamente o quadro econômico brasileiro e mundial. Os índices de crescimento dos países do euro não são nada animadores. O cenário internacional mostra uma forte desaceleração do crescimento econômico em todos os continentes, antevendo uma recessão que pode perdurar por mais tempo que o anteriormente previsto. O Banco Central revisou a projeção de crescimento do PIB para este ano de 3,5% para 2,5%, numa visão otimista. Para a CNI (Confederação Nacional da Indústria), a previsão é ainda menor, de 3,0% para 2,1%.
Está na hora de Sua Excelência despertar para a realidade e atentar-se para a verdadeira situação do país, deixando de lado os artifícios verbais com o intuito mistificar uma situação que se mostra escancarada. Simples assim. Seria uma atitude bem mais inteligente, à altura de sua relevância como ocupante do mais alto cargo público. E aos brasileiros e brasileiras, já que não se pode contar com a sinceridade presidencial, restam-lhes um último recurso: apertar os cintos, porque vem turbulência por aí.
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José Luiz Boromelo, escritor e cronista