Irresponsabilidade ao volante

De José Luiz Boromelo:
pareNa década de 50 os Estúdios Walt Disney produziram uma trilogia de desenhos animados protagonizados pelo inesquecível Pateta, materializado num tranqüilo cidadão que mostrava toda sua ira quando assumia a direção de um veículo. O objetivo foi representar a dupla personalidade de alguns motoristas que transitam pelas ruas diariamente, sendo considerada uma das melhores obras sobre prevenção de acidentes de trânsito e uma valiosa contribuição para a formação de motoristas mais prudentes e responsáveis. Saudosismos à parte, a realidade do trânsito invariavelmente remete ao motorista do insuperável desenho animado de outrora. O que se observa em nossas vias públicas é digno das estripulias do carismático personagem, amplificado pela evolução natural da indústria automobilística. Veículos potentes, seguros, ágeis e carregados de tecnologia fazem a alegria dos irresponsáveis, transformando as ruas em cenário para as mais ousadas demonstrações de irracionalidade motorizada.
Partindo-se do princípio de que o veículo é uma arma letal quando utilizado indevidamente, a legislação de trânsito aprimorou-se com o tempo e definiu suas regras, visando a segurança dos integrantes desse conturbado sistema. O atual Código de Trânsito Brasileiro instituído em 1997 estabelece os direitos e deveres de cada um, complementado pelas Resoluções do Contran e seus dispositivos que visam normatizar as diferentes situações encontradas nas vias públicas. Em sintonia com a necessidade em se formar condutores mais conscientes e melhores preparados para sua futura inserção no trânsito, os Centros de Formação de Condutores (CFC) realizam um trabalho extremamente importante, oferecendo ao interessado um ensino de qualidade. Entre os diversos assuntos abordados estão as regras de deslocamento, mudança de direção, ultrapassagem, parada e estacionamento, direção defensiva, noções de primeiros socorros, mecânica, meio ambiente, cidadania e outros.
Apesar das medidas efetivas para se garantir que o condutor esteja realmente apto a assumir a direção de um veículo automotor, o que se observa é um festival de aberrações ao volante, em que as atitudes de afronta explícitas imperam soberanas. Em determinadas regiões tem-se a impressão de que os condutores estão imunes às medidas coercivas estipuladas pelos dispositivos legais. As infrações mais freqüentes variam do estacionamento proibido ou na contramão de direção, parada em fila dupla, utilização do aparelho celular ao volante, invasão da faixa de pedestres, mudança de direção sem o uso da sinalização, velocidade excessiva para a via, avanço do sinal vermelho e não uso do cinto de segurança, dentre outros de uma extensa e variada lista. Alguns mais folgados transitam com o sistema de som em volume suficientemente alto para estremecer os tímpanos e as vidraças alheias em plena madrugada. Outros resolvem expor sua esmerada educação colocando a vida das demais pessoas e as próprias em risco, aliando esse arsenal de barbaridades à ingestão de bebidas alcoólicas. O resultado da mistura etílico-pneumático é conhecido: pais e mães em absoluto desespero na emergência de hospitais ou chorando a perda precoce dos filhos inconseqüentes.
Mas o que está acontecendo? Perdeu-se a noção do senso comum? Onde estão os conceitos de educação, ética, respeito e cidadania transmitidos através de gerações? O veículo é apenas o meio encontrado para externar seus sentimentos, enquanto confere sensação de poder ao condutor. A questão cultural interfere diretamente no comportamento, incluindo-se a conduta ao volante. Espera-se, portanto, uma maior conscientização do cidadão quando inserido no trânsito, seja como motorista, ciclista ou pedestre. Quem sabe dessa forma deixemos de conviver com os “patetas” da vida, como aquele do desenho animado.
__________
(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista