Goela abaixo
De José Luiz Boromelo:
Teve início no dia 19 desse mês a 39ª edição do horário brasileiro de verão. Originalmente implantada na década de 1930, essa medida polêmica passou a ser adotada sistematicamente a partir de 1985, quando o sistema nacional de energia apresentou sinais de esgotamento. Por conta da interferência arbitrária do Estado no ritmo normal de vida do cidadão, todo ano os brasileiros (essa edição abrange 10 estados e o Distrito Federal) são chamados compulsoriamente a alterar os hábitos cotidianos, girando para frente (a contragosto) os ponteiros do relógio. O decreto governamental não tem o poder de convencer, muito menos de cotizar a população para a economia de energia elétrica, supostamente um instrumento eficiente para evitar a sobrecarga no consumo nos horários de pico, diminuindo assim o risco dos indesejáveis apagões ocorridos num passado recente. Segundo o secretário de energia elétrica do Ministério de Minas e Energia Ildo Grüdtner, a economia prevista nessa temporada é de R$ 278 milhões, com redução esperada de 4,5% na demanda em todo o País no horário de maior consumo.
As projeções oficiais de economia de energia elétrica são ridiculamente ínfimas diante da amplitude da medida e dos transtornos desnecessários impingido à população. O governo apresenta como principal objetivo para a implantação do horário de verão o melhor aproveitamento da luz natural ao entardecer, retardando o acionamento da iluminação artificial. Isso não está devidamente comprovado, uma vez que além da medida em vigência se faz necessária a participação efetiva da população, coisa que poderia ser viabilizada com uma boa campanha de orientação, nos moldes das diversas campanhas de interesse público veiculadas na mídia. Como em todas as iniciativas que não contemplam um estudo prévio de viabilidade e acabam afetando diretamente a qualidade de vida do cidadão, as conseqüências para o organismo humano são danosas quando se altera o ciclo biológico natural. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 40% dos brasileiros sofrem de insônia, com seus efeitos agravados pelo horário de verão, aumentando os riscos dos acidentes de trabalho. Os resultados nocivos do descompasso biológico por conta das atividades antecipadas variam de irritabilidade pela manhã, dificuldades de concentração e falhas na memória, perda de apetite, sonolência, entre outros.
No Brasil ainda não existem levantamentos técnicos sobre os prejuízos causados pelo desajuste do relógio biológico, mas uma pesquisa da Sociedade Canadense do Sono relata que a falta de atenção contribui para 90% de todos os acidentes de trânsito. Já um estudo norte-americano aponta que a sociedade daquele país arca com um custo anual de US$ 3,55 bilhões decorrentes de acidentes de trânsito provocados por desatenção. As relações interpessoais também são afetadas pelo avanço forçado do relógio combinado com as altas temperaturas do verão. Estatísticas dos órgãos de segurança pública comprovam o aumento dos índices de criminalidade nesse período, motivado pela maior circulação de pessoas em vias e logradouros públicos até altas horas.
É imperativo que se avalie com a devida isenção e a necessária competência a implementação de medidas dessa envergadura. Antes de submeter a população a tantos contratempos, melhor seria investir em campanhas de conscientização, visando a economia efetiva de energia elétrica. Que se estabeleçam metas a serem cumpridas para faixas distintas de consumidores, com bônus ou descontos proporcionais ao consumo, entre outras alternativas viáveis. Seria essa uma postura realmente democrática e de alto nível, sem a necessidade da adoção de medidas invasivas ao conforto, saúde e bem estar das pessoas. É o mínimo a se esperar de um governo voltado aos interesses da coletividade. E sem atrapalhar o encontro descontraído com os amigos no final do dia.
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(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista.