Fraude bilionária, punição branda

belinati

De Valter Luiz Orsi:

Foi uma campanha cívica inesquecível. À medida que o noticiário ia expondo a dimensão do escândalo, a população se conscientizava sobre gravidade da situação. O clamor por justiça tomou conta da cidade. As manifestações se intensificaram, ganharam corpo e se impuseram até a condenação política do comandante do esquema.
No entanto, a cassação do ex-prefeito Antonio Belinatti em junho de 2000, não era por si só o desfecho almejado pelos londrinenses. A mobilização daqueles dias pretendia muito mais: a condenação criminal e a devolução do que foi desviado pela quadrilha.

A origem daquilo tudo foram os R$ 200 milhões arrecadados pelo município com a venda de 45% das ações da Sercomtel para a Copel. Hoje o montante ultrapassaria R$ 1 bilhão, de acordo com a correção pelo índice de inflação oficial do período. Boa parte destes recursos foi saqueada pelo esquema de corrupção, uma sangria que vitimou principalmente as parcelas mais desamparadas da comunidade.
Justamente por isso que a punição efetiva e exemplar dos envolvidos havia se tornado um desejo coletivo, que pulsava no coração daquele movimento histórico. E também é por isso que é necessário expressar agora a frustração com as primeiras sentenças proferidas pela Justiça, após um tempo de espera inaceitável.
Senão, vejamos. Como completou 70 anos em 2013, Belinati viu as ações criminais contra ele serem extintas. Recentemente, foram condenados o ex-diretor da Comurb (hoje CMTU) Eduardo Alonso, réu confesso e delator do esquema, e o empresário Ivano Abdo, envolvido em diversas fraudes em concorrências.
Alonso deverá pagar multa de cem salários mínimos (R$ 88 mil) e cumprir 1.460 horas de serviços à comunidade em cada processo; Abdo foi condenado à multa no mesmo valor e serviços no total de 1.395 horas, também em cada processo.
Além de tardias, são condenações brandas. É um flagrante desrespeito ao povo que muitos envolvidos estejam em liberdade. Igualmente revoltante é perceber que praticamente nada do que foi roubado foi devolvido.
Só nos resta lamentar o desperdício de trabalho e recursos consumidos por todo rito processual, da polícia aos tribunais, passando pelo Ministério Público. Milhões e milhões gastos em uma empreitada de resultado tão pífio.
É muito simbólico que a publicação do capítulo final do AMA-Comurb contraste tanto com a força que caracteriza a Operação Lava Jato, trabalho que está no auge da vitalidade.
A partir do trabalho conduzido pelo juiz federal Sérgio Moro, os paradigmas mudaram: a “República de Curitiba” já recuperou R$ 2,9 bilhões e foram repatriados R$ 659 milhões, por meio de 97 pedidos de cooperação internacional. O total do ressarcimento pedido pelo Ministério Público Federal a empreiteiras e ex-diretores da Petrobras chega a R$ 21,8 bilhões.
Em dois anos, Moro proferiu 93 condenações, sentenças que somam 990 anos e sete meses de pena. As investigações também contaram com 49 acordos de delação premiada e cinco acordos de leniência com empresas. E ainda assim, tudo leva a crer que a faxina da Justiça Federal ainda está longe de acabar. É uma obstinação que comove os brasileiros, uma mensagem que diz: “Sim, podemos fazer isso!”.
É curioso perceber que esta efetividade vigente no atual aparato de combate ao crime potencializa o inconformismo dos que participaram do movimento Pés-Vermelhos, Mãos Limpas. Senhoras e senhores, é muito doloroso constatar que Londrina merecia um ponto final mais satisfatório após esta luta árdua. Por outro lado, não há como ignorar o legado do episódio na cultura política.
Se hoje os londrinenses desfrutam de uma estabilidade institucional, sem sobressaltos, escândalos e crises administrativas, não é por acaso. Desde, então, passou-se a exigir um novo perfil de gestores públicos, em todos os poderes, e estes, por sua vez, entenderam que suas condutas estão sob uma fiscalização implacável da sociedade. (Publicado originalmente na Folha de Londrina).