A saúde no Brasil: velhos problemas sob nova direção

Por Sandra Franco:

saudeO novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, nomeado pelo presidente em exercício Michel Temer, parece não ter calculado, mesmo sendo engenheiro de formação, o prejuízo para a saúde brasileira com desastrosas declarações. Entre os seus equivocados e perdidos discursos, ele disse que não irá controlar a qualidade dos serviços dos planos de saúde. “Ninguém é obrigado a contratar. Não cabe ao ministério controlar isso”, afirmou.
Inadequada (para dizer o mínimo!) afirmação, já que o Ministério da Saúde não visa apenas a saúde pública, mas a saúde como um conceito mais amplo, aquele que está previsto na Constituição.

De outro lado, o Portal da Saúde, site institucional mantido pelo Governo, apresenta como missão do Mistério da Saúde: “promover a saúde da população mediante a integração e a construção de parcerias com os órgãos federais, as unidades da Federação, os municípios, a iniciativa privada e a sociedade, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e para o exercício da cidadania”
Da missão do Ministério da Saúde já se extrai a necessidade de parceria com a iniciativa privada. Logo, é sim obrigação do ministro zelar pela qualidade da saúde privada. Não é demais lembrar que grande parte dos recursos destinados à área servem para pagamento de serviços ofertados pelo sistema privado de saúde. Há que se dizer, aliás, que os funcionários públicos, em grande parte, são beneficiados com planos privados de saúde e que muitos serviços da saúde privada são contratados pelo poder público.
A insegurança jurídica presente no país contribui para aumentar a Judicialização. Os usuários dos planos de saúde querem um serviço de qualidade, sendo assim, há que se esperar uma grande onda de ações movidas por consumidores que exigem de planos a prestação de serviços. que as empresas se recusam a oferecer está por vir
Outra infelicidade do novo primeiro nome da saúde no Brasil foi declarar que, embora não esteja preocupado com a qualidade da saúde privada, “quantos mais planos, melhor”. Isso porque o ministro defende a máxima de que “quanto mais pessoas estiverem na saúde suplementar, mais recursos sobram para custear o SUS”.
As declarações do novo ministro demonstram total desconhecimento dos problemas sanitários no Brasil. As avaliações são rasas e não levam em consideração sequer os problemas crônicos de falta de leitos, falta de equipamentos e de um controle e incentivo para qualificação dos profissionais da saúde.
O novo ministro quando incentiva o crescimento do mercado privado parece esquecer que mesmo os usuários de planos de saúde recorrem ao SUS para poder utilizar tratamentos de alto custo, que muitas vezes são negados pelos planos de saúde. Esse é outro problema agudo no mercado privado de saúde, pois os planos vendem uma assistência e dificultam ao máximo o uso dos serviços. Esse é apenas um dos ciclos que incentiva a Judicialização da saúde.
Está claro que continuaremos mais alguns meses ou anos convivendo com o descaso com a saúde no Brasil. A consequência está refletida nos números recentes divulgados pelo Conselho Federal de Medicina que revelou que o Brasil perdeu 23.565 leitos na rede pública de saúde entre 2010 e 2015. A redução é de 7% – passou de 335.482 para 311.917. De acordo com o CFM, as maiores perdas são em psiquiatria, obstetrícia, pediatria e cirurgia geral.
Não bastasse o cenário conturbado, surge o mais grave: a oferta de leitos de Unidade de Terapia intensiva (UTI) em estabelecimentos públicos ou conveniados ao SUS está disponível em somente 505 dos 5.570 municípios brasileiros, de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Esses dados permitem entender a falência de um sistema em que médicos, enfermeiros, pacientes e famílias que são obrigados a enfrentarem hospitais superlotados, falta de camas e macas e uma série de improvisos em corredores e até banheiros.
A falta de controle do acesso é motivo para pacientes e seus familiares recorrerem à Justiça. Informações do Ministério da Saúde revelam que o gasto governamental decorrente de ações judiciais que exigem, principalmente, um leito de UTI e medicamentos de alto custo, atingiu a cifra de R$ 838,4 milhões somente em 2014. As filas para exames e procedimentos cirúrgicos são constantemente “furadas” por liminares concedidas por juízes.
O governo de São Paulo gastou, em 2015, cerca de R$ 1 bilhão no cumprimento de decisões judiciais. Segundo a Secretaria de Saúde estadual é cada vez maior o número de pessoas que recorrem ao judiciário para garantir o acesso à saúde. Em 2010, o estado foi réu em 9.385 ações, contra 18.045 no ano passado.
Será que esses dados foram apresentados ao senhor novo ministro? A partir desses números, é provável que repita os velhos discursos de seus antecessores, no sentido de aumentar arrecadação para melhorar a prestação de serviços. No entanto, apenas mais recursos não resolvem o problema da saúde. É necessário fazer mais e melhor em prol da população.
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(*) Sandra Franco é consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, doutoranda em Saúde Pública, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP) e membro do Comitê de Ética para pesquisa em seres humanos da Unesp (SJC) e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde

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