Decisão de procuradora
sobre foro especial para Flávio
é uma excrescência!


A procuradora de Justiça Soraya Taveira Gaya e Flávio Bolsonaro: a decisão é tão exótica que nem errada consegue ser

Por Reinaldo Azevedo:

Pois é… Eu fui contra a extinção do foro especial por prerrogativa de função. E apanhei muito por isso. Inclusive dos bolsonaristas. Já a família Bolsonaro se dizia favorável, não é mesmo?

E, como se sabe, Flávio Bolsonaro (PSL), hoje senador, tenta, mais uma vez, aquilo que antes rejeitava. E acaba de ocorrer um lance muito curioso nessa história. Curioso e excrescente.
A procuradora de Justiça do Rio Soraya Taveira Gaya deu parecer favorável a que Flávio seja processado perante o Tribunal de Justiça do Rio. Seu caso, assim, sairia das mãos do juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal, que determinou a quebra de seu sigilo bancário.
Qual o argumento? A doutora alega que os crimes que lhe são imputados teriam sido cometidos quando ele era deputado estadual, “escudado pelo mandato que exercia à época”. Nas suas alegações, observa: “Existe uma tendência em extirpar o chamado foro privilegiado, que de privilégio não tem nada. Trata-se apenas de um respeito à posição ocupada pela pessoa. Assim, é muito mais aparentemente justo ser julgado por vários do que apenas por um, fica mais democrático e transparente”
Sei.
Vamos ver.
O Supremo pôs fim, contra o meu voto, ao foro especial por prerrogativa de função para deputados e senadores, excetuando-se o caso em que o crime foi cometido no exercício do mandato e em função deste.
Por essa razão, Flávio tentou fazer com que seu processo tramitasse no Supremo, mas foi malsucedido. Afinal, as imputações que há contra ele antecedem o mandato de senador, certo?
Mais: por isonomia, o foro especial para parlamentar de qualquer esfera deixou de existir a não ser na circunstância excetuada pelo tribunal. E isso vale, portanto, para deputados estaduais.
Ocorre que Flávio não mais pertence à Assembleia Legislativa do Rio. Em 1999, o Supremo cancelou a súmula que permitia que ex-parlamentar mantivesse foro especial. Assim, Flávio não tem direito de ser julgado pelo Supremo porque os crimes de que é acusado teriam sido cometidos antes de seu mandato. E, por óbvio, não pode ser processado pelo Tribunal de Justiça porque não é mais deputado estadual.
Com a devida vênia, pode-se afirmar que a doutora Soraya Taveira Gaya está praticando direito criativo. Informa a Folha: Ao defender a concessão de foro especial ao senador, a procuradora afirma que não lhe parece a melhor postura querer julgar Flávio “de forma unilateral e isolada, quando o mesmo tem uma função relevante e que a todos interessa”.
Fica-se com a impressão de que, a seu juízo, Flávio Bolsonaro deve ter foro especial não porque tenha direito — e não tem mesmo —, mas porque, afinal, é Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.
Convenham: isso já é foro especialíssimo.
Flávio aplaudiu a decisão como se não tivesse defendido precisamente o oposto durante a campanha eleitoral.

SÍNTESE
1: eu defendi a permanência do foro especial para parlamentares; Flávio angariou votos pregando a sua extinção — a exemplo de toda a família. Agora, ele busca ter aquilo que combateu;
2: mesmo antes da mudança feita pelo Supremo em maio do ano passado, ex-parlamentares já não tinham mais direito a foro especial — essa decisão foi tomada em 1999. A doutora ignorou uma decisão que já tem 20 anos
3: a procuradora reivindica para Flávio uma condição especial por ele ser quem é…

ENCERRO
Flávio deveria fazer ao menos uma mea-culpa, né? “Olhem, errei quando defendi o fim do foro especial”. Muitos diriam certamente que sua opinião varia de acordo com a necessidade. Mas ainda seria mais decente do que combater abertamente uma prerrogativa, chamá-la de privilégio e depois nela se escudar para tentar salvar a própria pele.
Eu não mudei de ideia e não preciso de foro especial. Flávio agora precisa e, então, mudou.