Canja
Por Jorge Villalobos:
Garcia Orta em Colóquios dos simples e drogas da índia (1563) narrava que nessa região do mundo a população, em casos de doença e debilidade acostumava beber “três onças de caldo de galinha muyto bem temperado” provavelmente, tenha sido essa a primeira referência ao caldo de galinha, ou canja, para o tratamento de doenças e debilidades do corpo em Portugal. Séculos depois, em 1910 no Rio de Janeiro, a canja era anunciada, em horário das 20h até 1h no Stadt Coblenz, na Praça Tiradentes, ao preço de 1$200 e na mesma praça tanto o café e “restaurant” Guarany como a Rotisserie Motta Bastos, ofereciam suas famosas canjas. Sendo comum que os convites ou combinados, dessa época, se fizessem com afirmações como “na hora de estilo será servida uma suculenta canja” ou fulano convida uma estupefaciente canja, ou uma apetitosa canja. Inclusive, em Porto Alegre, uma suculenta canja era acompanhada de um churrasco de vitela, como foi na recepção ao marechal José Caetano de Faria, ministro da Guerra em 1918.
Assim, a canja, em razão do seu “poder medicinal” e receitada por gerações, era parte das refeições oferecidas aos doentes para fortalecê-los e estava dentro do denominado regime “lácteo-vegetariano mixto”, o qual garantia ”valor nutritivo compatível com as trocas e necessidades organicas dos enfermos”. Estando, de tão estimada que era, entregue a domicílio a preço de 1$500. Quando da gripe espanhola, não era raro, nas esquinas da cidade do Rio de Janeiro, ouvir as pessoas falarem dos casos de frangos tuberculosos comprados por 10 mil réis para fazer caldo, ou de um conhecido, que teria comprado um “gallo velho” por vinte mil réis, para a canja da filha.
Também, não eram raros os casos de servir canjas, como foi no posto de socorro da rua Barão de Mesquita, as pessoas mais necessitadas. Assim, as galinhas eram uma mercadoria de primeira necessidade no combate à gripe espanhola, tanto é que a atuação do dr. Leopoldo Bulhões, comissário da Alimentação no Rio de Janeiro, fora duramente criticada, na sessão do Senado de novembro de 1918, pincipalmente, pelo confisco que este teria praticado nas galinhas do senador Paiva de Bueno, quem havia mandado trazer de Minas 60 galinhas; porém somente havia recebido 10. Ainda, Bueno de Paiva narrou a história de um frango que um vizinho lhe havia conseguido, depois de muitas correrias pelos morros, mas, que o mesmo havia sido roubado quando já “de pescoço torcido e quase todo depenado”. Na mesma sessão o senador João Luiz Alvez narrou que se viu forçado levar à faca a “guella” um peru, frente a falta de galinhas e lamentou a morte de tão bela ave. Enquanto isso, o povo corria ao quartel de bombeiros para fazer filas em busca da tão apreciada galinha ou invadia as lojas que ainda mantinham nas despenas aves.
(*) Professor em Maringá
(Foto: Careta, ano 1918 edição 541, Rio de Janeiro)
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