Os fogueiros e a gripe espanhola

Por Jorge Villalobos:

Em 26 de outubro de 1917, o Brasil declarou guerra à aliança germânica, nesse marco bélico foi editado o Aviso Ministerial nº 501, de 30 de janeiro de 1918, e constituída a Divisão Naval para Operações de Guerra (DNOG), composta por oito navios, dentre eles o Contratorpedeiro Piauhy, e o Rebocador Laurindo Pitta, que aliás ainda hoje, convertido em navio-museu, pode ser visitado na cidade de Rio de Janeiro e realizar nele um passeio marítimo pela Baía de Guanabara.

Os documentos da época, atestam que os navios tinham a missão de “patrulhar a área compreendida pelo triângulo marítimo na costa noroeste africana, cujos vértices eram a cidade de Dacar”, no Senegal, então colônia francesa e “o arquipélago de São Vicente, em Cabo e o Estreito de Gibraltar”. 

Ocorre que no porto de Dacar, conta a lenda, os marinheiros brasileiros durante dias, observavam que o navio inglês Mantua, regularmente, realizada “uma rotina” que consistia em sair ao “o alto-mar e regressando em seguida”.

Disso ficou a curiosidade, até que tempos depois soube-se que essas idas e vindas “eram para lançar ao mar os corpos dos homens de sua tripulação que haviam contraído a terrível gripe espanhola” que assolava os navios e o porto de Dacar. Assim, antes de entrar na batalha os marinheiros já eram abatidos pela gripe.

O caso dos efeitos da gripe espanhola, na esquadra brasileira, foi estudado por Cynthia Schuck-Paim e outros num artigo publicado com o título “Exceptionally high mortality rate of the 1918 influenza pandemic in the Brazilian naval fleet”, o qual pode ser lido aqui.

Nesse estudo se relata que na esquadra houveram 125 mortes de gripe, informadas nos relatórios oficiais, ou seja, mais de 8% dos cerca de 1.500 tripulantes morreram por causa da gripe. A doença atingiu 90% dos marinheiros.

Se verifica no estudo, que as mortes estiveram concentradas entre os dias 10 de setembro e 26 de novembro de 1918, porém, o dado que mais se destaca está relacionado com os óbitos dos profissionais de caldeira ou fogueiros.

Vale lembrar que os navios, em inicios do século XX, maioritariamente, estavam propulsados por energia decorrente da queima de carvão pedra, sendo que os barcos a vapor haviam revolucionado os mares, e os fogueiros tinham a tarefa de garantir o movimento do navio.

Vale lembrar que as equipes de fogueiros ficaram conhecidas como ‘black gang’ e um livro que conta a situação desses trabalhadores está em “Down Amongst the Black Gang: The World and Workplace of RMS Titanic’s Stokers (A gangue negra: o mundo e o ambiente de trabalho dos fogueiros do RMS Titanic) de Richard P. de Kerbrech.Esse setor, insano dos navios da esquadra brasileira tiveram, ao total 30 mortos dos 278, sendo que a taxa de mortalidade foi de 10,79%, a maior dentre todas as categorias de serviços, o que, segundo os autores demonstra que as “extenuantes condições de trabalho, desidratação e exposição ao carvão poeira foram os principais fatores de risco. ” Assim, a participação do Brasil na primeira guerra mundial, foi marcada pelas inúmeras mortes decorrentes da gripe espanhola, que matou, principalmente, os fogueiros que haviam sido marcados, na sua saúde física e mental, pelo ambiente em que laboravam.  


(*) Jorge Villalobos é professor em Maringá

(Foto: Ocean Liners)

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