Os motorneiros de Recife

Por Jorge Villalobos:
Perdurava no espírito público, na capital de Pernambuco em outubro de 1918, uma atmosfera de inquietação pela rapidez como se vai alastrando a “gripe”.
E esse natural receio era evidenciado pelo diminuto movimento nas ruas, nos cinemas, cafés, finalmente, em todos os estabelecimentos comerciais, muitos dos quais se fecharam por terem todos os empregados doentes.
Em Recife, nas estações Central, do Brum e das Cinco Pontas não se observa mais aquele movimento de passageiros, que os trens de Rio Branco, Paraíba e Alagoas despejavam todos os dias.
A “gripe” ou “influenza” assolava a cidade e, como medida emergencial, a Diretoria de Higiene informou, através dos jornais locais que iria, imediatamente, a começar o atendimento residencial as pessoas que precisarem de socorros médicos, por motivo da “influenza”.
A orientação era que bastava que deixassem seus nomes e endereços residências, na secretaria da Diretoria de Higiene, que funcionava, excepcionalmente, até as 20 horas, para que recebessem, em casa, as visitas médicas.
As indicações de nomes e residências, poderiam, também ser dadas por telefone, para o número 923 (novecentos e vinte e três).
Ainda, a informação esclarecia que, na visita, seriam dados os conselhos médicos e distribuídos os medicamentos necessários.
Veja-se que tal medida era em grande parte, motivada pela impossibilidade que havia para as pessoas, moradores dos bairros irem até o centro, uma vez que os funcionários, principalmente, motorneiros dos bondes que faziam as linhas centro bairro, da “Pernambuco Tramways and Power Company limited”, que aliás manteve um importante clube de futebol campeão estadual em 1936, estavam afastados do serviço, uma vez que adoecidos pela “gripe”.
Assim, por determinação do próprio Departamento de Higiene do Estado, descentralizou-se o atendimento aos enfermos, sendo levada a assistência, diretamente, às pessoas nos seus bairros.
Vale lembrar que haviam, em outubro de 1918, um total de 159 empregados da empresa de bondes, doentes com a “gripe”, e já haviam falecido três motorneiros, sendo das linhas 581, 730 e Manoel Mendes da linha 712.
Nesse mesmo contexto, destaca-se que a Diretoria de Higiene, estabeleceu um plantão farmacêutico, o qual específico à noite, devendo as seguintes farmácias, atenderem, durante a segunda semana de outubro, nos seguintes dias: Dia 8 – Farmácia Ricord, na rua Larga do Rosário; Dia 9 – Farmácia Pernambucana, na rua Larga do Rosário; Dia 10 – Farmácia São Paulo, na rua Larga do Rosário; Dia 11 – Farmácia Marques, na rua Duque de Caxias; Dia 12 – Farmácia Simões Barbosa, na rua Primeiro de Março.
Verifica-se que tanto a administração estadual quanto municipal não media esforços no combate à “gripe”, uma vez que a mesma era totalmente desconhecida.
Em razão disso, as autoridades tomavam as máximas medidas, e nesse quadro se destaca o que Diário de Pernambuco, informou em outubro de 1918, como sendo um importante suporte de apoio às determinações governamentais, na qual o diretor de Higiene, em reunião de equipe resolveu, por portaria, dispensar todos os médicos dessa Diretoria das funções habituais, designando-os para darem plantão na sede da Diretoria de Higiene, e para atuarem no serviço externo de socorros, uma vez que a situação era gravíssima.
PS – Em Recife, ainda se ouve nas conversas uma expressão popular que remete à época dos bondes, e que se incorporou na linguagem cotidiana, como é “pegar o bonde andando” ou seja, entrar em conversa já adiantada.
(*) Jorge Villalobos é professor em Maringá
(Foto: Linha do bonde em Recife, por Jorge Villalobos)