Três mil réis

Em 29 de setembro de 1918 o Jornal de Recife relatava os casos de Influenza espanhola nos armazéns do porto e narrava os casos que se alastravam nos quarteis na Bahia, e no dia seguinte o título da matéria afirmava que a doença “propaga-se de forma assustadora, na capital”.
Lembramos que no Recife de 1918, cerca de 120 mil pessoas adoeceram, em uma população estimada em 200 mil.
Sabemos que nesse período o Presidente do Estado de Pernambuco era Manoel Antônio Pereira Borba, hoje cargo de governador, e que a epidemia não havia levado em consideração os pedidos do Arcebispo e que a mesma prosseguia implacável, causando no dia 13 de outubro o número de 470 óbitos, entre eles o do Diretor de Higiene, o Dr. Abelardo Baltar, de 34 anos.
Inclusive, a diretoria do Jockey Club, em 10 de outubro, já comunicara que em virtude de se acharem atacados de influenza alguns de seus membros, diversos empregados, proprietários e jockeys, estavam suspensas as corridas até ulterior deliberação.
Os jornais de Pernambuco, publicavam diversas versões a respeito da doença, por exemplo o jornal A Ordem, jornal publicado pelo Partido Republicado Democrata PRD, do partido do Governador de Pernambuco, omitia abertamente a situação vivenciada na cidade de Recife.
Afirmando, inclusive em um dos seus editoriais, que toda imprensa da capital se tem ocupado minuciosamente, alguns jornais até com exagero, aproveitando-se da situação vexatória do povo, para fazer explorações políticas, da “gripe” ou influenza espanhola que hora, com maior ou menor intensidade, bem que de caráter benigno, se propaga entre nós.
Veja-se que a classificação de benigna, não correspondia, exatamente, a o que podia ser dito de uma doença que, somente, no dia 13 de outubro havia ceifado a vida de 470 recifenses.
Outrossim, muitas das críticas ao governo de Manoel Borba, eram provenientes de Dantas Barreto, principalmente, através do jornal do Partido Liberal A província, e do jornal do Recife, igualmente alinhado a este.
Tal oposição, não era gratuita, pois Manoel Borba, ao promover a criação da Imprensa Oficial do Estado de Pernambuco, voltada à publicação de leis e atos do Governo do Estado, além de informações de interesse da sociedade pernambucana, argumentou que tal medida iria significar a redução das despesas com pagamentos a jornais particulares. Portanto, implicava numa redução das receitas dos periódicos.
Ainda, objetivava levar as informações do Governo, diretamente, à população, com destaque aos dados relacionadas com o funcionamento do governo, procurando, por essa via incidir de modo direto, na formação da opinião pública, de forma a competir com a versão da imprensa partidária.
Quanto à gripe, veja-se que em finais de outubro de 1918, quando estava-se ao final da segunda onda da doença, o Jornal de Recife afirmava que “aos desafortunados, pincipalmente, devem ser dados os auxílios da diretoria de higiene, para que eles não morram à mingua, como sucedeu com muitos dos habitantes na capital, ao começo da epidemia. ”
Assim, as versões do conflito político e sua repercussão no atendimento à influenza não cessaram, chegando ao extremo na manifestação do jornal A Província a respeito da Portaria n. 10 da Diretoria de Higiene.
Conforme a Portaria da “Directoria de Hygiene e Saúde Pública” de Pernambuco, em 10 de outubro de 1918, se determinou que por ordem do Governador do Estado seria iniciada a distribuição de dinheiro aos necessitados.
Tal distribuição seria realizada, diretamente, por um empregado da secretaria da Diretoria de Higiene, sendo a entrega autorizada no momento, somente, por ordem do médico que formava parta da comitiva que visitava os doentes nas residências.
Para tanto, havia sido estabelecido um protocolo, simples, primeiro confirmar que a pessoa estava adoecida pela gripe, para tanto o médico realizava a auscultação do paciente.
Ato seguido, se realizada a contagem de número de doentes, por residência, e logo seguia-se a entregue em espécie ao chefe da casa do dinheiro determinado pelo governo.
Assim, independentemente do número de doentes de influenza, se fazia entregue a quantia de três mil réis (3$000) por cada pessoa doente de gripe, não sendo contada nesse montante, a quantia de mil e oitocentos réis (1$800), que era para o chefe da casa.
Esse dinheiro era distribuído pelo prazo de três dias, fazendo o empregado da secretaria, num documento da Diretoria, a discriminação da quantia distribuída com os nomes e endereço das pessoas contempladas.
Frise-se que o comprovante era assinado, sempre, pelo médico do serviço externo, que acompanhava a comitiva, o que endossava, a modo de garantia, que os doentes estavam, efetivamente, adoecidos pela gripe.
No entanto, essa ação do governo do estado, através da Diretoria de Higiene, foi duramente criticada pelo jornal A Província, que sustentou, inclusive, numa matéria denominada de “Os cinco contos”, dúvidas quanto a veracidade da distribuição de um dinheiro para os doentes pobres, o qual ficava, supostamente, a critério da Diretoria de Higiene.
Uma vez, que tal informação somente havia sido trazida por um único meio, qual seja o Jornal Pequeno, afirmando que se o dinheiro havia saído do bolso particular do Dr. Manoel Borba, nada tinha a disser, mas que o governador de Pernambuco estava em condições de fazer uma esmola maior, haja vista que proprietário de uma fábricaa Fiação de Tecidos de Goiana (FITEG).
Ainda mais porque, em Pernambuco, era um dos “maiores aproveitadores da guerra”, sendo que esse dinheiro seria, assim a “expressão de um justo remorso para quem não soube evitar em tempo a morte da população. Não soube e não quis. ”
Vale lembrar que três mil réis (3$000) eram um montante que dava para fazer as compras diárias de comestíveis, sendo que se pagava, em Recife, pelo aluguel de um mocambo, a quantia de trinta mil reis 30$000.
Mas também três mil réis (3$000) haviam sido o motivo do crime pelo qual João Francisco Pontes assassinou a José Cabral, fato que ocorreu na feira do município de Limoeiro, onde travaram uma discussão que degenerou numa luta e na qual João puxou uma faca, com a que produziu um profundo ferimento no abdômen de José, que em consequência veio a falecer três horas depois. Sabe-se que João, logo após deu-se à fuga.
Enfim, enquanto nos jornais se debatiam a respeito se o valor devia ou não ser entregue pelo governo, ou se era justo, enquanto avançava a doença, no agreste pernambucano, pela cobrança da mesma quantia de três mil réis (3$000), João tirava a vida de José e em Recife a influenza levava a óbitos centenas.
(*) Professor em Maringá
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