O contágio e a desinfecção

O professor e médico Emile Roux foi diretor do Instituto Pasteur em Paris por 20 anos, 1904-1925, e um dos principais colaboradores de Louis Pasteur.
Começou como inoculador de animais, e posteriormente, atuo em diversas pesquisas, dentre as mais importantes estão a que tratou da raiva, inclusive tema da sua tese de doutorado.
Também se destacou na investigação a respeito da cólera das galinhas, que abriu as portas para a obtenção das vacinas.
Segundo escreveu o próprio Roux, sua motivação a respeito da raiva, foi o caráter enigmático da doença, além do medo que esta produzia, uma vez que a morte era acompanhada de paralisia, espasmos, convulsões, além de um tempo variável de incubação.
Assim, em 1918, em plena pandemia da gripe espanhola, a opinião deste médico virologista foi ouvida no mundo todo, inclusive, lida atentamente no Brasil.
Nesse contexto, o debate acadêmico estava centrado na forma de transmissão da gripe; sendo que para alguns a transmissão era pela atmosfera e para outros pelo contato direto entre infetados.
Essa discussão se alastrou durante muitas semanas, impedindo assim tomar medidas de profilaxia adequadas, haja vista, a opinião dividida entre as duas tendências.
Roux se posicionou pela primeira corrente, ou seja, o contato entre pessoas era a forma pela qual a gripe era transmitida, reconhecendo que se alastrava pelo mundo todo, e não somente estava restrita alguns países europeus, como se pensava ao princípio, e que o contágio, entre as pessoas, era a causa da velocidade com a qual se expandia.
Afirmou que “a gripe se propaga pelo contato direto e que a varredura e irrigação das ruas, centros de reuniões, etc., com desinfetantes, absolutamente de nada servem”.
Para provar sua tese, Roux concentrou vinte pessoas em um lugar desinfetado e colocou no meio dessas pessoas, todas sadias, um doente com gripe.
Sua metodologia considerou que o gripado, ao bocejar espalharia uma parcela do seu mucus nasal ou de saliva e que essa parcela atingiria um ou vários dos seus vizinhos na sala, ficando assim contaminados. Pese a toda a desinfecção realizada.
Assim, sua tese se confirmou correta.
O médico, sustentava também que no tratamento, para os pacientes que não apresentavam gravidade, não fosse ministrado nenhum medicamento, sendo necessário que o enfermo ficasse em cama, bem aquecido, ou abafado, não comendo nem bebendo, ou bebendo somente coisas quentes, ou seja, dependendo somente da reação da sua natureza.
Com esses cuidados, assegurava Roux, noventa por cento passaria pela gripe sem grandes complicações; sendo o isolamento uma forma de impedir a propagação da doença.
Veja-se que a compreensão científica, da forma pela qual se produzia o contágio, passou a ser conhecida em todos os lugares, o que levou a questionar profundamente a aplicação das desinfecções, com a finalidade de combater a gripe.
Dentro dessa perspectiva, está a crítica do Médico Rafael Forns i Romans, professor de Higiene na Universidade Central de Madri, na qual afirma que as autoridades sanitárias, sabem que pulverizando, coletivamente, os sobretudos e vestidos dos viajantes, ao entrar nas estações de Madri, ninguém seria desinfetado.
Para ele, como para uma grande parte dos cientistas e médicos da época, assim como para Emile Roux, os antissépticos líquidos não são como a água benta, que possui uma virtude qualitativa contra os espíritos malignos; agem apenas quantitativamente em uma certa proporção, e nenhum dos antissépticos usados nos viajantes e nos carros e bondes servia mais do que para deixar um cheiro ruim.
De fato, o efeito mais evidente da desinfecção era o mau cheiro, produzindo inclusive “distúrbios patológicos” nas pessoas muito suscetíveis, induzindo a um verdadeiro engano.
Descrevia o seguinte fato, se uma pessoa sem instrução entra em um bonde; ele o vê sujo, então ele tomaria sua precaução para não se contaminar, e pensa que pode adquirir com o pó e a sujeira o agente epidêmico.
Agora, se o mesmo indivíduo entra no bonde e o encontra sujo, mas foi fumigado, então acredita que a sujeira é inofensiva pois foi aplicada a desinfecção.
Portanto, ele não se preocupa com a sujeira e até se recusa a pensar que os micróbios continuam por lá.
Ocorre que o antisséptico derramado nas ruas, nos carros e nos lugares de grande concorrência de pessoas, afirmava, são inúteis, pois eles não garantem nada e também destilam confiança, com isso, as pessoas passam a se concentrar nesses lugares que consideram purgados.
Tudo errado, isso em 29 de outubro de 1918, e esclarece que era necessário tornar pública essa situação, e acrescentou, inclusive, o dinheiro gasto nessas práticas, em material e pessoal, que representa uma grande quantia, é dinheiro jogado fora, que é desperdiçado inutilmente, enganando conscientemente o público que paga esse pessoal e esses antissépticos.
Porém, a questão da desinfecção foi um debate muito mais longo, de idas e vindas, mas suas consequências viriam anos depois.
(*) Jorge Villalobos é professor em Maringá
(Imagem: Carro francês de desinfecção militar de campanha. Revista Ciência e Vida)
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