O prejuízo fica para a prefeitura; o lucro, para a empresa

Desde o início do processo da licitação do transporte coletivo em Maringá (2011), venho me posicionando, em ações do Observatório das Metrópoles da UEM e do Fórum Maringaense pelo Direito à Cidade, contra as garantias excessivas que a prefeitura acabou oferecendo à empresa concessionária no “Contrato de Concessão para Prestação e Exploração do Serviço Público de Transporte Coletivo de Passageiros do Município de Maringá/PR”, assinado pelo prefeito Silvio Barros II no fatídico dia 16 e novembro de 2011.

Não à toa minha posição contrária, mas porque o próprio estudo técnico (“Pesquisa Básica”) da licitação mostrava que eram 125 mil passageiros por dia útil, mas esse número de usuários vinha diminuindo 0,69% ao ano, nos últimos 10 anos (Setran, jun/2010).

Na contramão dos estudos da Pesquisa Básica, o então prefeito Silvio Barros II procedeu a licitação (1) na qual, obviamente, a vencedora foi a TCCC e ofereceu no contrato benefícios e garantias à concessionária que resultam exatamente nos descabidos pedidos de ressarcimento que a empresa agora faz à prefeitura, pois o número de passageiros continuou a diminuir, conforme estava demonstrado. O contrato assinado garante que:
O concedente [a prefeitura] assumirá o risco de redução da quantidade de passageiros em relação aos números apresentados no projeto básico, que nortearam a elaboração da proposta financeira, promovendo o ajuste do equilíbrio econômico-financeiro, quando for o caso, nos termos deste contrato… em razão do qual a lei ou o presente contrato assegure a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro da concessão (grifos meus).

Oras, como assim? Todos sabiam que a redução de passageiros vinha se dando na década e que, muito provavelmente, continuaria, principalmente após a assinatura do contrato que trará os lucros esperados à concessionária, com ou sem passageiros. Todos também sabem que, assim como as outras empresas que atuam numa economia liberal capitalista, a TCCC também deveria arcar com o risco de prejuízos. Talvez, oferecendo um serviço que atraísse passageiros para o transporte coletivo, mas, não! O prefeito assinou um contrato em que a prefeitura assumiu o risco econômico isentando a empresa de prejuízos com a diminuição de passageiros.

Agora a TCCC aciona a Justiça e vê garantido o que está no contrato. Resultado: todos nós, cidadãos, teremos que pagar para que capitalismo praticado pela TCCC seja sem risco.

Os interesses dos usuários nunca estiveram assegurados, pois a licitação (i) não estabeleceu o menor preço da tarifa padrão como critério de concorrência; (ii) o prazo da concessão é de 40 anos (20 + 20 anos); (iii) a empresa não tem concorrência pois foi garantido monopólio, que somente pode ser quebrado mediante pagamento corrigido do valor total do contrato; (iv) e o contrato é de 1 bilhão e 150 milhões de reais.

Funcionário faz higienização em ônibus do transporte coletivo

A Câmara de Vereadores já realizou CPIs sobre a tarifa e sobre o transporte, mas nunca nada mudou, efetivamente. Está na hora de os vereadores se posicionarem, não eleitoralmente, mas em defesa do artigo 6º da Constituição Federal que define o transporte como direito social da população, sem apelar aos complicados e ininteligíveis aspectos técnicos do tema do transporte.

Afinal, todos sabem que o atual contrato do município com a TCCC está gerando pendências judiciais com pedidos de indenização por parte da empresa, que alega desequilíbrio financeiro desde o inicio, o que poderá levar o Município a ter que desembolsar muito dinheiro, por um serviço não realizado pela empresa, pois o desequilíbrio alegado se dá em função da queda anual do número de pessoas que utiliza o transporte coletivo. A última ação recente que fizemos foi subscrever a “Nota sobre Situação Econômica dos Transportes Públicos no Brasil e o Programa Emergencial do Transporte Social”, de iniciativa do Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor -, assinada pelo Observatório das Metrópoles-Maringá/UEM junto a mais de 40 entidades brasileiras.

Afinal, é pandemia, é momento de exceção, é momento das empresas assumirem sua responsabilidade social; é hora de priorizar a vida. Não é, certamente, a hora de a empresa concessionária de transporte espoliar o orçamento municipal para garantir seus lucros, talvez, questionáveis. Agora é hora de redefinição de modelo tarifário; é hora de defender a isenção de tarifa e, para isso, criar o Fundo para custear essa política com diversas fontes (IPVA; Recursos do Estacionamento Rotativo; IPTU; Subsídio Estadual; Fontes do Município). Todos os argumentos já amplamente difundidos pelos especialistas da área de mobilidade afirmam que é justo dividir as responsabilidades pelos custos do transporte público com quem opta por utilizar o transporte individual e é consenso absoluto a necessidade de reduzir carros nas ruas, visando uma melhor qualidade de vida nas cidades.

(1) 1 Que questionamos na Justiça, sendo nosso pedido acatado na 1ª instância mas, rejeitado na 2ª instância, pelo TJ do Paraná.


(*) Ana Lucia Rodrigues é doutora em Sociologia Urbana com pós-doutorado em Urbanismo

(Foto: Aldemir de Moraes)

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