A Máscara de Vincent, Paris ano de 1918

Em 15 de outubro de 1918, o dr. Hyacinthe Vincent que era médico-inspetor-geral do Exército, professor do College de France e Membro da Seção de Saúde Pública da Academia de Medicina, com a colaboração do dr. G. Lochon, apresentou uma comunicação à Academia de Medicina de Paris, cujo tema era a respeito da profilaxia mecânica frente à gripe espanhola, -ou seja, 103 anos já se passaram dessa apresentação, mas, vejamos o que podemos recuperar dela.

Vincent explicava que as dificuldades dos procedimentos e recursos para prevenir e evitar a gripe eram em razão do contágio excessivo e rápido da doença. Já era certo, nessa data, que o contágio ocorria diretamente através do aperto de mão, por exemplo, ou, mais frequentemente, através do ar contaminado.

O paciente que fala, tosse, espirra, projeta na atmosfera suas partículas salivares, nasais ou faríngeas, uma nuvem microbiana.

Nas experiências que ele havia realizado, com a colaboração do dr. Lochon, viu que uma placa de Petri que contém ágar, colocada a dez ou vinte centímetros da boca de um homem que fala, ou de um com gripe que tosse ou espirra, é responsável por inúmeras colônias. Após 2 minutos de fala, a cultura em ágar dá, em média, 209 colônias; após 5 minutos, 640 colônias.

A tosse, obviamente, projeta um número muito maior de micróbios. Três ou quatro crises de tosse de pacientes com gripe dão de 250 a 300 colônias na placa de Petri com ágar.

Menos importante, embora de modo algum desprezível, é a transmissão por lençóis, lenços, toalhas, instrumentos de mão ou de cabeleireiro, utensílios de cozinha não lavados, dentre outros.

Na presença de tais fatores de contágio multiplicados e da infecção intensiva da zona aérea que rodeia qualquer paciente doente com gripe, os efeitos deste são, facilmente, estendidos às famílias, oficinas, lojas, bondes, escolas, salas de reuniões ou espetáculos.

Afirmava que os seres humanos são muito receptivos ao patógeno da gripe e o vírus penetra, ora em baixa densidade, ora de maneira maciça, pelo trato respiratório do sujeito saudável e pela superfície da conjuntiva, ora pela via oral quando a inalação é feita com a boca aberta.

É nessas portas de entrada que a primeira semeadura geralmente é realizada.

Vincent era médico e havia acompanhado os casos de intoxicação por gases venenosos durante a I Guerra Mundial, assim, ele afirmava que o indivíduo infectado está em uma situação comparável à do soldado colocado em uma atmosfera de gases perigosos, como o gás mostarda. Conjuntivite, catarro nasal e faríngeo, traqueobronquite refletem, em ambos os casos, a primeira ação do veneno microbiano ou tóxico.

No marco dessa experiência, foi portanto, levado a opor, à infecção microbiana, meios semelhantes de proteção.

Assim, entendia que era com essa intenção que os médicos americanos aplicaram, em pacientes acamados e não somente entre a equipe de médicos e enfermeiros, mas também em alguns pacientes convalescentes ou leves, o uso de faixas protetoras de gaze; colocadas na frente do nariz e da boca, como é a máscara do cirurgião ou o véu da mulher árabe.

Esclareceu que Louis Pasteur já havia recomendado o uso de máscaras e roupas, destinadas a proteger os médicos contra certas doenças. Na epidemia de peste da Manchúria (1910-1911), máscaras haviam sido utilizadas e teriam sido de grande utilidade.

Assim, verificando esses fatos, realizou um grande número de experimentos para descobrir qual era o grau exato de proteção que pode ser exigido, por esse método da máscara.

Estabelecendo, inicialmente, duas regras básicas, quais sejam,  que a máscara não deve interferir na respiração e, portanto, não pode ser feita de material impermeável ou muito grosso e por outro lado, a banda buco-nasal simples é certamente insuficiente.

De fato, esclarecia que ela não protegia os olhos e a conjuntiva que são tão comumente sede das primeiras manifestações da gripe, ou seja, referia-se a conjuntivite ou vermelhidão frequente da conjuntiva, uma vez que os germes passam para o saco lacrimal, depois para o canal nasal e são semeados na nasofaringe.

Também observou que a faixa que cobre o nariz e a boca não impede completamente que o ar inspirado encontre, em cada lado do nariz, uma passagem direta, frisando que a experiência com gases asfixiantes há muito tempo havia demonstrado isso.

Portanto, era necessário, se alguém desejava estar quase totalmente protegido da infecção respiratória pelo micróbio da gripe ou por agentes secundários de infecção, ter uma máscara que envolva completamente o cabeça, uma espécie de capuz.

A gente pode colocá-lo diretamente, mas tem a desvantagem de que pode afetar as partes salientes do rosto, especialmente o nariz. Nesse caso, as partículas salivares podem, se “molharem” a gaze, contaminar diretamente o rosto.

Portanto, é preferível repousar a máscara sobre uma moldura de luz, como a da figura que4 ilustra este texto, e que é fornecida com uma espécie de viseira frontal saliente, na qual é refletido o tecido de proteção, assim removido da face; isso permite, além disso, o uso de óculos.

Foi assim que teria constatado que uma, duas e até três espessuras de musseline ou musselina, constituem apenas uma barreira insuficiente. Cinco ou seis espessuras são, por outro lado, protetoras; ele passa apenas um pequeno número de bactérias.

A máscara que apresentou à Academia, era formada por uma capa de gaze que fornecia uma visão transparente e que estava adaptada a uma carcaça de metal leve.

Tal instrumento, afirmou “é muito simples, muito barato, suscetível de ser trocada ou esterilizada”, sendo útil em hospitais, enfermarias, creches, etc., a ser utilizada tanto pelos responsáveis ​​por cuidar ou visitar os pacientes, pelas pessoas em geral.

E seu uso era indicado não apenas na prevenção hospitalar ou familiar da gripe, mas também no sarampo, escarlatina, caxumba, tosse convulsa, difteria, meningite cerebrospinal, poliomielite aguda, etc., que são geralmente infecções que se contraem pelo trato respiratório.

Certamente, Vincent nunca pensou que hoje, numa nova pandemia de gripe, sua máscara apresentada numa Comunicação da Academia e publicada na Revue d’hygiène et de police sanitaire, 1919, n° 41. – Paris: Ed. Masson, 1919, seria conhecida como “shape face” e que sua invenção, seria resgata neste pequeno texto, em homenagem ao seu labor como médico e pesquisador.


(*) Jorge Villalobos é professor em Maringá

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