A mulher que escandalizou a elite paulistana

Uma mulher nascida em berço de ouro. Para ela, vale o clichê, mas Veridiana Valéria da Silva Prado (1825-1910) não se deslumbrou frente à riqueza deixada pelo pai, Antônio da Silva Prado, o Barão de Iguape. Dona Veridiana, como ficou conhecida, era uma mulher além do seu tempo. Leitora contumaz dedicou-se aos estudos, tornando-se poliglota. Aprendeu francês, italiano, inglês e alemão.

Casou-se aos 13 anos com um tio, Martinho da Silva Prado. Naquele tempo as famílias ricas obrigavam os casamentos entre seus parentes, como forma de proteger a herança. No entanto, eles se separaram quando os filhos cresceram. Ele voltou para uma de suas fazendas de café, negócio que predominava na “família Silva Prado” no oeste paulista. O solo pouco explorado daquela região batia o Vale do Paraíba na produção de grãos.

Veridiana viveu um tempo em Paris e, de volta a São Paulo, inspirada na arquitetura francesa, construiu um palacete numa chácara que comprara, em 1879, no então bairro Santa Cecília. Nomeou o local de Vila Maria, em homenagem a sua dama de companhia Maria das Dores. Uma negra a quem incentivou a estudar, que se tornou poliglota e pianista. Não menos famoso era seu mordomo, um índio botocudo.

A separação do marido naquela época deu muito que falar. As matronas da pequena São Paulo do século 19 não perdoavam. Infernizavam a vida de dona Veridiana, que não dava bola. Ao cair da tarde, ela saía de carruagem conduzida pelo seu cocheiro, um suíço, a passear por aquela estrada que seria a futura Avenida Higienópolis da capital paulista. O falatório subia o tom.

As fofocas inflamavam ainda mais porque ela promovia intermináveis saraus no seu palacete. Renomados artistas e intelectuais da época marcavam presença. Capistrano de Abreu, Ramalho Ortigão, Graça Aranha, Teodoro Sampaio, Joaquim Nabuco; os negros abolicionistas Luís Gama e José do Patrocínio, entre tantos outros. Dom Pedro II e princesa Isabel a visitaram uma vez.

Os embriões da Semana de Arte de Moderna, em 1922, surgiram nas noitadas do palacete. Até Eça de Queiroz cruzava o oceano e permanecia por vários dias na companhia da trupe paulistana, que se exaltava nos saraus de dona Veridiana. Historiadores dizem que a criação de um dos seus personagens, Jacinto Tormes, de “A cidade e as serras”, inspirou-se num dos filhos de Veridiana, Eduardo Prado, um dândi afeito às paisagens das fazendas da família.

Outro seu filho, Antônio da Silva Prado, tinha predileção para os negócios e se aventurou na política. Primeiro prefeito de São Paulo (1899-1911). Milionário, ele relutou em aceitar o cargo, mas transformou a cidade, modernizando-a com novas construções e abrindo ruas que possibilitaram a expansão além do centro. Na sua gestão, inaugurou o sistema de energia elétrica da capital e construiu o Teatro Municipal.

As matronas fofoqueiras injuriaram dona Veridiana. Milionária, filha de um barão do café, que não dava a mínima para os padrões sociais, na época, uma espécie de catecismo. Cedeu parte do seu testamento para os empregados. Maria das Dores levou seu polpudo quinhão, mas com uma condição, que fosse apenas para ela. Nada de dividir com o marido, com quem se casara assim que a deixou.

Teria ordenado também que nos domínios da sua chácara fosse construído um clube social destinado apenas a homens. Mais uma vingança contra as mulheres? Ali realmente foi construído o São Paulo Clube, destinados a executivos. Fundado pelo banqueiro Gastão Eduardo de Bueno Vidigal foi inspirado nos modelos ingleses. Ao que parece um local masculino.

Família Prado, um pedaço de São Paulo e do Brasil. Veridiana silenciou no Cemitério da Consolação. Na próxima vez em que eu for a São Paulo lá irei contemplá-lo, rememorando a vida de uma extraordinária personagem entre tantas da nossa história.

 Ah, o palacete de Dona Veridiana, construído com material importado, está lá até hoje. Ocupa uma grande área. Desde a antiga Rua Santa Cecília (atual Rua Dona Veridiana) até a atual Avenida Angélica. Com divisa entre a Avenida Higienópolis e a atual Rua Martinico Prado. Também visitarei. 


(Donizete Oliveira – Jornalista desde 1986, mestre em Comunicação pela UEL. Contato: (44) 99963-2181)