Vida sofrida, vida feliz!

Um sol vermelho. Eu o via assim. Quente. Sufocante. Eu descalço atrás do meu pai. Ao menos cinco quilômetros a gente andava até chegar à cidade. Que ficava numa espécie de colina. Imaginação, talvez. Mas a igreja católica, que é bonita, arredondada, eu a enxergava num lugar alto.
Falo de Califórnia, que fica ali na rodovia que leva a Curitiba. Uns 20 quilômetros de Apucarana.
A gente morava no sítio. Éramos meeiros. Meu pai levava frangos para vender na cidade. Com uma folha de palha, ele fazia o que chamava de peia. Amarrava o pé dos frangos numa vara e a levava com dez, 12 pendurados. Eles ficavam de bicos abertos. Naquele tempo, a gente não se importava com os animais.
Eu atrás dele, descalço. Calçados só para ocasiões especiais. Missa, batizado, casamento. De pé no chão em meio àquelas pedras só podia tropeçar. De vez em quando batia o dedo numa delas e lá se ia a unha. “Nasce outra, em casa cura com sebo”, dizia o pai.
Em casa, ele passava sebo derretido. A unha logo estava formada. Até hoje não sei se fazia efeito, mas a gente acreditava. Não havia tantos carros nas estradas rurais. A poeira quase inexistia.
Ele também passava num armazém, os tais secos e molhados. Comprava açúcar, sal, alguma ferramenta da lida na roça e querosene para as lamparinas.
Após a venda dos frangos, que não durava muito, o pai me levava a um bar, sempre o mesmo. De balcões encardidos. A melhor parte. Degustar sorvetes. Enormes. Arredondados. Branco ou vermelho. Não havia outra cor, mas eram deliciosos.
Ele também passava num armazém, os tais secos e molhados. Comprava açúcar, sal, alguma ferramenta da lida na roça e querosene para as lamparinas. O resto produzia no sítio. Inclusive, o arroz, hoje, a vedete dos preços. Descascava uma saca na máquina beneficiadora. Dava para comer um bom tempo.
Os casamentos eram sempre especiais. A mãe comprava roupa nova. A gente ia garboso. Como este aí da foto. Animado por uma famosa Loja de tecidos. Eles levavam a rural Willys com uma caixa de som, que ficava tocando música. Depois tinha o sanfoneiro e o bailão na barraca. Vida sofrida, vida feliz!
Na foto: eu e os sobrinhos Ademir Donizetti e José de Souza. 1973, Zona rural de Califórnia.
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