Preso com Monteiro Lobato em 1935, Hilário Correia refugiou-se em Maringá em 1964

Desde sua chegada na Cidade Canção fugindo dos órgãos de repressão da Ditadura Militar, o jornalista Hilário Correia deixou na lembrança daqueles que com ele conviveram a figura de um senhor taciturno, que impressionava a todos pela sua grande cultura e pelo volume de bebida alcoólica que diariamente ingeria.

Profundo conhecedor da língua portuguesa, foi protagonista da seguinte história relatada para mim pelo Antonio Calegari, redator-chefe do “O Jornal de Maringá”, onde trabalhava o veterano jornalista: “certa vez, num texto escrevi ‘porque’ no lugar de ‘por que’, o AA de Assis me gozou no jornal “Folha do Norte”, em uma coluna sobre regras de português, e o velho Hilário foi à réplica. Pena que não tenha guardado o embate dos dois. Acho que até o AA de Assis ficou em dúvida…”.

1967. Da esquerda para a direita avistamos o jornalista Hilário Correia, repórter do “O Jornal de Maringá”, o deputado estadual Silvio Barros (MDB), eu — Laércio Souto Maior, então professor e secretário-geral do MDB de Maringá, e o administrador do distrito de Itambé, município de Marialva

O que os habitantes de Maringá não desconfiavam é que a cidade passou a abrigar um revolucionário ímpar, que escolheu a Cidade Canção como o repouso do guerreiro que participou da Batalha da Praça da Sé, no dia 7 de outubro de 1934, na cidade de São Paulo. Este episódio histórico foi a primeira grande vitória antifascista de nosso povo comandada pela Frente Única das Esquerdas, composta naquela época pelo PCB, Liga Trotskista, PSB, os anarquistas, e elementos da Força Pública paulista sob a liderança do tenente João Cabanas, herói da Coluna Prestes. Na data acima mencionada, dez mil camisas-verdes (fascistas), foram postos para correr pela união das forças democráticas. No final do confronto entre a esquerda e a direita foram constatadas as seguintes baixas: 34 feridos e 6 mortos.

O momento mais dramático desse combate sangrento foi, de acordo com relatos deixados por seus protagonistas, “quando Fúlvio Abramo, para discursar, pendurou-se no gradil da porta do então prédio da Equitativa Seguros (Sé, 158), e sob uma chuva de balas um escudo humano composto por Mario Pedrosa (principal responsável pela introdução do trotskismo no Brasil), Hilário Correia, jornalista em Sorocaba, o sapateiro Barru Chelli, Cipriano Cruz, os irmãos Mario e Leila Abramo, e os estudantes Miguel Costa Junior, Luiza Marcelino Branco (Luizinha), Araguaia Peçanha e Décio Pinto de Oliveira, protegeram com seus corpos o bravo companheiro”.

Um ano depois, por ocasião do malogrado Levante Comunista de 1935, o jornalista Hilário Correia foi preso pela polícia política da ditadura de Getulio Vargas, permanecendo recolhido no Presídio Maria Zélia, em São Paulo, por 14 meses, e nesse período foi companheiro de prisão de Monteiro Lobato e Eduardo Maffei. Quando foi solto, o Centro Cívico da cidade de Sorocaba festejou sua libertação. Curiosidade histórica: o jovem Hilário Correia foi o primeiro voluntário paulista inscrito para lutar na Revolução Constitucionalista de 1932.

Foi tradutor de várias obras literárias, dentre elas, “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, que saiu pelo selo Editorial Vitória. Falava oito idiomas e escreveu o livro de poesias “Vidraça Partida”, raridade hoje em dia.

Solitário, o velho revolucionário trotskista terminou seus dias modestamente em Guardiana, distrito do município de Mandaguaçu, na região Norte do Paraná. É nome de rua em Sorocaba, sua cidade natal.


(*) Laércio Souto Maior é escritor, historiador e jornalista pernambucano, radicado em Curitiba-PR

Artigo publicado originalmente na coluna História & Política, na edição impressa do jornal “O Diário do Norte do Paraná” do dia 2 de setembro de 2017