Irmã Araújo: santa ou revolucionária?

Irmã Araújo

Num momento da vida política nacional onde a direita fascista ascende vitoriosa após o golpe perpetrado contra os 54 milhões de votos que elegeram a honrada presidente Dilma Roussef em 2014, seguida da devastadora e humilhante derrota dos partidos de esquerda nas eleições municipais de 2016, religiosos e leigos indagam: o que pensa e por onde anda a igreja de esquerda no Brasil? Mais do que nunca é importante falar sobre seus expoentes, seus legados, e seus posicionamentos políticos na atualidade. Temas para outros artigos. Neste, relembro e destaco como exemplo maior de compromisso político com as causas do povo brasileiro, a heróica luta de uma freira nordestina, a Irmã Araújo, que atuou e se expôs desde sua chegada a Curitiba em 1964 até sua morte em 1983, com dedicação e coragem ímpar lutando incansavelmente nos limites permitidos pela ditadura militar, organizando debaixo de sol, chuva, e neve, a população pobre do grande bairro do Boqueirão, na capital paranaense, conscientizando-os para reivindicarem junto às autoridades militares e civis seus direitos humanos, trabalhistas, constitucionais e de cidadania, priorizando as áreas de saúde, moradia e de saneamento básico.

Os que conviveram com a Irmã Araújo no seu trabalho evangelizador, nos idos das décadas de 70 e 80, afirmam que ela estava convencida que a Igreja Católica devia estar sempre inserida no meio dos pobres, ajudando os sem terra, os trabalhadores urbanos e rurais, e os presos políticos e comuns. Segundo seus amigos e companheiros, ela tinha bem claro uma visão de classe, de que existe uma classe que domina e outra, que é explorada.

Irmã Araújo em visita às famílias do Boqueirão, em 1975, mesmo tendo que enfrentar a neve (Cefuria)

Seu compromisso com os oprimidos e perseguidos pelo Estado era de tal maneira que todos que a conheceram testemunham que ela era capaz de dar a vida pelos presos políticos. Dois depoimentos relembram sua doação a essa causa. No primeiro, o jornalista Milton Ivan Heller declarou:

“entre 1968 e 1983, os presos políticos recolhidos à Prisão Provisória de Curitiba contaram com a proteção de algumas freiras que se expuseram a vários riscos. Através da Pastoral dos Presídios as irmãs Teresa Araújo, Lídia Maria Pansera, Lídia Kohl e Adiles Zangrande, foram incansáveis anjos da guarda de presos políticos e comuns. Elas haviam abandonado a segurança e o conforto do Convento das Irmãs Vicentinas no aristocrático bairro das Mercês, para viver em uma pequena casa de madeira no Boqueirão, um bairro distante, de muita pobreza e nenhuma assistência, com ruas de barro, sem iluminação, lixo nos terrenos baldios e esgoto a céu aberto em valas imundas”.

No segundo depoimento, o preso político paranaense Celso Paciornik testemunhou emocionado:

“na verdade, se alguém que eu conheça se encaixa na descrição de uma ‘santa’ esse alguém foi a Irmã Araújo, com sua dedicação, sua paciência infinita para ouvir todas as queixas, consolar com sua simples presença os mais sofredores. Se existisse um trono divino, no que não acredito desde sempre, ela certamente estaria sentada ao lado. Grande pessoa, grande personagem, exemplo de bondade e dedicação que quem a conheceu jamais esquecerá”.

No Estado do Paraná, nenhum membro da Igreja Católica Apostólica Romana merece ser louvado e reverenciado pela sua luta contra a ditadura militar e em defesa da liberdade e da democracia como a Irmã Araújo, atuante e romântica liderança da Igreja popular, libertadora e democrática do Brasil.


*) Laércio Souto Maior é escritor, historiador e jornalista pernambucano, radicado em Curitiba-PR. Texto publicado originalmente em dezembro de 2017