O Antipetismo, o Capitão do Mato e a Elite (II)
Assim como os senhores da Casa Grande (ao tempo da escravidão) julgavam as leis imperiais insuficientes para protegê-los, os setores dominantes da elite brasileira contemporânea também mostravam inconformismo em relação à Constituição Democrática de 1988 e ao funcionamento das instituições (Congresso Nacional, STF, Ministério Público, Imprensa e a mídia em geral).
A Lava Jato, em sua cruzada contra a corrupção, e até mesmo o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula, não representavam, para eles, avanços significativos em nossa sociedade. Quase sebastianistas, ansiavam pelo aparecimento de um Capitão do Mato repaginado, disposto a promover uma ampla “caçada” a esquerdistas, comunistas, ambientalistas, defensores dos direitos humanos e das minorias. Sempre se disseram defensores do liberalismo político e econômico, mas ignoravam ou omitiam, propositalmente, que o liberalismo como filosofia de governo – e não apenas como expressão econômica do livre mercado, como foi o caso da ditadura de Pinochet, no Chile – é o esteio das liberdades individuais e coletivas.
O novo Capitão do Mato iria emergir das sombras, do submundo do baixo clero da Câmara Federal, aonde permaneceu por mais de duas décadas, para disputar e vencer as eleições de 2018. Expulso do Exército quando ainda tenente, mas premiado com a promoção a capitão (tipo de aberração jurídica que também ampara aos juízes corruptos que são aposentados com salários integrais, quando flagrados na prática delituosa!) – Jair Bolsonaro, com o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, se elege presidente do Brasil, com apoio incondicional das classes médias e altas antipetistas, notadamente da grande burguesia urbana, das oligarquias, do empresariado rural do agronegócio e de setores das forças armadas que, ainda hoje, após a queda do muro de Berlim e do esfacelamento da União Soviética, prosseguem sendo anticomunistas viscerais. Bolsonaro era e é um extremista de direita, sem nenhum apego às instituições democráticas. ]
Truculento, sempre defendeu a Ditadura Militar de 64 e as torturas infligidas a presos políticos. A elite não estava preocupada com isso; não estava à procura de um candidato virtuoso e com experiência na administração pública. Sempre realista, ainda que contraditória; baseada no falso princípio de que os fins justificam os meios (como sempre fizeram os seus antípodas stalinistas), ancorou-se na máxima de que “não importa a cor do gato, desde que ele coma o rato”, atribuída ao ex-líder Deng Xiaoping, que governou a China de 1978 a 1992. Antes da eleição, um dos filhos de Bolsonaro afirmou que para fechar o STF bastava um cabo e quatro soldados. Depois, com o pai eleito, já cognominado de Zero Três, disse, taxativamente, que a decisão de baixar um novo AI-5, o mais draconiano decreto da Ditadura Militar, já estava tomada, e não era mais uma questão de “se” mas de “quando” isso aconteceria. Bolsonaro, nestes dois anos, jamais governou o Brasil. Continuou um militante antipetista, anticomunista e antidemocrático, com dedicação exclusiva a essa “causa” e à sua reeleição. No início, cogitou do próprio emponderamento como um tiranete de direita, à la Maduro da Venezuela. Contra essa tentativa de golpe, a sociedade civil reagiu pronta e energicamente.
Nestes duros tempos de pandemia o Brasil está sem presidente, e os brasileiros abandonados, à mercê da sorte e do destino. Agora, com a liberação de Lula para se recandidatar, o desafio que se põe à sociedade civil e aos democratas de todos os matizes políticos e ideológicos é não permitir que se repita, em 2022, o embate eleitoral entre a direita retrógrada e extremista de Bolsonaro e o lulopetismo populista de esquerda. Se não conseguirmos evitar isso, a história irá se repetir, agora como farsa.