Uma semana esquizofrênica

O título deste texto é, na verdade, um pleonasmo. Nestes tempos de Bolsonaro os atos, palavras e pensamentos do próprio e de outros próceres da vida nacional têm sido completamente alheios à realidade e ao bom senso. Em sua live da última quinta-feira afirmou: “Uma semana bastante complicada. Muitas coisas aconteceram, mas vamos lá.” (Sic).

O quadro “O Grito”, do norueguês Edvard Munch, é a expressão mais acabada dos horrores dos dias de hoje. A aflição e o desespero de parentes vendo seus entes queridos morrerem ao desamparo, infectados pelo corona vírus e sem possibilidade de internação hospitalar, pela ausência de vagas em enfermarias e UTIs; de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros, chorando pelos corredores de hospitais, física e emocionalmente esgotados, impotentes para realizar, com relativo sucesso, aquilo que mais prezam em suas profissões: o ofício e o sacerdócio de salvar vidas – é o retrato mais cruel de nosso país na atualidade. Mas, para alguns, ainda há espaço para comemorações e festas. A outros, as atenções voltadas para o enfrentamento da crise sanitária abre-lhes oportunidades para desestruturar as instituições e fazer retroceder importantes conquistas, como as de combate à corrupção, dentre outras.

Embora em 20/3 o país tivesse atingido o estarrecedor número de 290.000 mortes por covid, na manhã do dia seguinte, domingo (21/3), pela manhã, indiferente e insensível a essa tragédia humanitária, Bolsonaro comemora seus 66 anos de idade, nos jardins do Alvorada, acompanhado de admiradores, a maioria sem usar máscara e deixando de manter o isolamento social. Corta bolo, faz selfie e provoca aglomerações. A noite, sob forte crise de amnésia, ou em decorrência de pesquisa que apurou ser de 54% sua rejeição (Data Folha, 15 e 16/3), faz pronunciamento dizendo que sempre esteve preocupado com a pandemia e que era e é inteiramente favorável à vacinação em massa. Antes, à tarde, quase às escondidas, deu posse a Marcelo Queiroga no cargo de ministro da Saúde. Pressionado pelo centrão, Bolsonaro havia demitido Eduardo Pazuello. O ministro que de fato jamais exerceu suas funções, declarou, ao sair, e sem citar nomes, ter sido pressionado a adotar práticas pouco republicanas. Auto afirmando-se honesto, declarou ser homem de classe média, sem casa no Lago Sul (uma referência ao filho do presidente, que adquiriu ali, recentemente, uma mansão de R$ 6 milhões?).

Mas o ex-ministro é uma figura menor, cuja presença ou ausência no governo pouco altera o panorama atual. Preocupante foi a decisão da Segunda Turma do STF, nesta semana, notadamente o voto de Gilmar Mendes. Em 2018, na sessão de julgamento de habeas-corpus impetrado por Lula, pedindo fosse declarada a parcialidade e a suspeição de Moro no caso do tríplex de Guarujá, Gilmar Mendes pediu vista do processo, quando já haviam votado, contrariamente, os ministros Fachin e Carmem Lúcia, e a favor o ministro Lewandowski. Na última terça-feira, pôs em julgamento o processo que retivera durante dois anos. Em um voto cheio de subjetivismo e de ataques a Moro e aos procuradores federais de Curitiba, votando favoravelmente a Lula, iniciou o desmonte inexorável da Lava-Jato, a menos que o impeça o Plenário do STF. Com seu voto, o julgamento estava empatado. Depois, votou o ministro Nunes Marques pela improcedência do pedido, mantendo a condenação de Lula. Pensando de forma precipitada ter sido voto vencido, Gilmar Mendes se voltou contra Nunes Marques e, como se dirigindo a um subalterno, procurou desqualificar o voto proferido pelo colega. Com certo preconceito, afirmou que o entendimento de Nunes Marques não era aplicável “nem ali nem no Piauí”, terra natal do agravado. Para surpresa geral, a ministra Carmem Lúcia que votara pelo indeferimento do pedido de Lula, agora dava a ele provimento. Assim, mediante um simples habeas corpus foram anuladas as decisões de Moro, do Tribunal Federal da 2ª Região e do STJ. O ex-juiz Moro, sem direito à defesa e ao devido processo legal teve sua atuação, no caso, declarada parcial e suspeita. Gilmar Mendes, ao final do julgamento, sem observar o recato e a discrição que um caso de tamanha repercussão e envergadura exigia, chora ao fazer um inusitado, mas entusiástico elogio ao advogado de Lula.

Tempos difíceis estes! Contabilizamos (?) esta semana a morte de mais de 300 mil brasileiros, infectados pela covid-19. Assim como a beleza da plasticidade do quadro “O Grito” não esconde o torpor e o desespero de Munch, a heroicidade e a dedicação incansável dos profissionais de saúde não podem evitar os gritos de dor e desespero daqueles que perderam pais, filhos, amigos!