Com a faca no pescoço

De Helena Mader e Fabio Leite, na Crusoé:

Há dez dias, Arthur Lira fez um duro pronunciamento em que, pela primeira vez, disparou ameaças nada veladas contra o presidente Jair Bolsonaro. Num dos trechos do discurso, depois de cobrar uma mudança de postura do presidente na condução da pandemia, o presidente da Câmara e líder do Centrão não descartou lançar mão de “remédios políticos amargos, alguns fatais”, um claro eufemismo para impeachment. “Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar. É isso ou o colapso”, disse o presidente da Câmara. De lá para cá, a média diária de mortes pelo vírus quase dobrou e não houve nenhum avanço nas negociações internacionais por vacinas. Jair Bolsonaro também não mudou: voltou a provocar aglomerações, a promover tratamentos sem respaldo científico e a exibir sua teimosia atávica ao não usar máscara. Não recebeu, porém, nenhuma nova reprimenda pública do presidente da Câmara.

A repentina – mas apenas momentânea – complacência de Lira e de outros setores do Congresso indignados até dias atrás com Bolsonaro guarda relação direta com o desenrolar das costuras políticas dos últimos dias. Para arrefecer a maior pressão que já enfrentou desde sua posse, o presidente promoveu nesta semana uma minirreforma ministerial em que teve de sucumbir novamente ao apetite do Centrão. Foi como se o bloco de Lira estivesse com a faca espetada no pescoço de Bolsonaro – e, na política, a forma interessa tanto quanto o conteúdo. Aos olhos de todos, menos de uma semana depois das ameaças explícitas, o presidente aceitou mitigar os poderes da ala ideológica do governo, uma exigência dos parlamentares, e ainda entregou ao Centrão a chave do cofre das emendas parlamentares, ficando mais refém do que nunca do grupo que um dia jurou combater. Leia mais.