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Arma de fogo é prioridade de Bolsonaro. A vacina, não

Entraram em vigor, no último dia 13 deste mês, quatro decretos facilitando (ainda mais!) a compra e a importação de armas de fogo por qualquer cidadão e por praticantes de tiro. Felizmente, a ministra Rosa Weber, do STF, suspendeu a vigência das disposições mais permissivas desses decretos. Armas de fogo em mãos de civis aumentaram exponencialmente no governo Bolsonaro.

Em 2018, o Brasil contava com pouco mais de 700 mil armas em mãos da população. Na época, havia uma grande mobilização da sociedade incentivando as pessoas a entregar voluntariamente as armas que possuíam, uma vez que representavam mais riscos do que segurança aos seus portadores e familiares. (O próprio Bolsonaro, antes de ser presidente, foi assaltado, conduzindo uma moto e portando uma pistola. Militar que é, dizendo-se atleta e apresentando-se, em varias ocasiões, manuseando armas, foi incapaz de se defender. Os assaltantes levaram a pistola e a moto. As consequências poderiam lhe ter sido trágicas como corriqueiramente sucede em casos assemelhados. Teve muita sorte em escapar fisicamente ileso).

Passados dois anos e três meses de governo Bolsonaro, o Brasil supera hoje em 1,2 milhão o número de armas em mãos civis, graças a portarias e decretos editados nesse período, facilitadores da compra e importação dessas armas. Tais medidas eram – e continuam sendo – um dos pleitos principais dos seguidores de Bolsonaro. Em geral, são admiradores das milícias norte-americanas, as mesmas que incentivadas por Trump invadiram o Capitólio para impedir que Biden fosse declarado presidente dos Estados Unidos. Por isso mesmo, a política armamentista sempre foi uma prioridade de Bolsonaro, desde que assumiu o governo. Já na reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, tornada pública por determinação judicial, Bolsonaro fez pronunciamento enfático, permeado de palavrões e ameaças aos que dele eventualmente discordassem, defendendo a liberação da compra de armas de fogo pela população.

Afirmou Bolsonaro: “Olha (…) como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil! O povo tá dentro de casa. Por isso eu quero, ministro da Justiça e da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor um ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo!” (Sic). Essa seria uma afirmação completamente sem sentido não tivesse sido feita por Bolsonaro. Como assim, armar o povo para evitar a ditadura? Ora, todo o cidadão responsável sabe que as armas para evitar a ditadura e garantir a Democracia – a antítese daquela – são o fortalecimento das instituições democráticas, do Congresso Nacional, do STF, do Ministério Público; do respeito à Constituição; da aplicação da lei; da garantia dos direitos dos cidadãos e das liberdades de imprensa, de reunião, de associação; da alternância do poder, através de eleições livres.

Ao permitir e estimular a compra de armas pelo cidadão comum não estaria Bolsonaro buscando um resultado exatamente oposto ao que afirma? Não estaria ele depositando em mãos de seguidores armados o apoio para o seu flerte com a ditadura? Em fevereiro de 2006, na defesa da ditadura bolivariana que implantara na Venezuela, Hugo Chaves, em seu oitavo mandato, disse aos seguidores: “A Venezuela precisa ter um milhão de homens e mulheres bem equipados e bem armados.” (Cf. Folha de SP, 24/5/2020). Esse bando armado, criado por Chaves, constitui a milícia bolivariana, integrada por civis ideologicamente alinhados ao regime venezuelano. Como se vê, os ditadores – e os defensores dos regimes ditatoriais – procuram sempre substituir a força da lei e dos direitos dos cidadãos pela força das armas.

Se armar a população é prioridade de Bolsonaro, o mesmo não se pode dizer em relação ao enfrentamento da crise sanitária em que o país está submerso. Na malsinada reunião ministerial de abril de 2020, a pandemia de covid, que se havia alastrada por todo o território nacional, não foi assunto relevante. O então novo ministro da saúde, Nelson Teich, fez breve intervenção, sem apresentar nenhum plano concreto para o enfrentamento da crise sanitária já instalada. A ciência biomédica logo produziu potentes vacinas para combater o temido vírus. Bolsonaro, um declarado negacionista do progresso e da ciência, subestimou a gravidade da doença e omitiu-se na tomada de decisões e de medidas para o seu enfrentamento.

Com uma uma população de 210 milhões de habitantes, o Brasil teria que adquirir algo em torno de 500 milhões de doses da vacina. Mas, como se disse, essa não foi em nenhum momento uma prioridade de Bolsonaro. As vacinas não foram adquiridas quando ofertadas e o que se viu foi o aprofundamento da crise sanitária global e a escassez da oferta do medicamento. O resultado foi especialmente catastrófico para os brasileiros. Hoje, o país está praticamente sem vacinas. É inegável que a inação e a omissão deliberada do governo federal contribuiu para que se ultrapassasse o assombroso número superior a 360 mil mortes. Mas isso não deverá ficar impune.

O Pleno do STF, no último dia 14, julgando mandado de segurança impetrado por alguns senadores, determinou que o Senado instale CPI para apurar a responsabilidade e a omissão de Bolsonaro e de outros servidores públicos em relação à tragédia sanitária atual. Portanto, Bolsonaro sofreu, nesta semana, duas acachapantes derrotas no STF. Frente a isso, será Bolsonaro capaz de explicar ao Brasil (e ao mundo!) o por quê de ser a facilitação da compra e importação de armas por civis prioridade de seu governo e a compra de vacinas não?

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