A Terra é Azul (e redonda!)
Há 53 anos, no dia 12 de abril de 1962, o cosmonauta russo Yuri Gagarin, o primeiro homem a subir ao espaço (lá do alto!) exclamou ao mundo: “A Terra é Azul!”. É como se tivesse dito: a Terra é bela! E não estaria errado. A Terra, com seus rios e mares, de cores azuis e verdes, e seus peixes; com as verdejantes florestas, e os pássaros e animais que as habitam, talvez seja um dos mais bonitos astros não luminosos do Universo. Do sistema solar e seus oito planetas, com certeza é o mais belo! (Veja-se, por exemplo, o quão desolado e árido é nosso vizinho Marte, sem cor, sem vida; frio e desértico).
Essa bonita e velha senhora, de 4,,6 bilhões de anos, já experimentou cinco grandes eventos de extinção de suas espécies. Quatro, por fenômenos intrínsecos, naturais. O último, ocorrido há 65 milhões de anos, resultou de fator externo, da colisão de um meteoro na região de Yucatán, México, que provocou a extinção dos dinossauros. Agora, a Terra se defronta com o aquecimento global, provocado ou acelerado pela ação de nossa espécie, o Homo sapiens (surgido há cerca de 150 mil anos), que poderá ter resultados catastróficos para nossa própria sobrevivência e para sobrevivência da flora e da fauna, de todo o planeta. Assim, neste ano, o 22 de abril, considerado o Dia da Terra, desde 1970, foi dedicado não para comemorações mas para conclamar os governantes mundiais a se unirem na luta contra o aquecimento global.
De forma virtual, como exigem estes tempos de covid, líderes de 40 países e organizações ambientais de todo o mundo reuniram-se para estabelecer metas e adotar providências concretas para evitar a catástrofe anunciada. A reunião foi convocada por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, que se tem mostrado um intransigente defensor do meio-ambiente. Biden é o oposto de Donald Trump, seu antecessor, que sempre se caracterizou como um negacionista visceral do aquecimento global. Bolsonaro, admirador incondicional do trumpismo, fez, na cúpula, um pronunciamento vazio, recheado de boas intenções mas que não deverá passar disso.
Durante seu governo aumentaram o desmatamento e as queimadas, em todo o território nacional. O garimpo ilegal nas terras indígenas, poluindo e degradando rios, causando a morte e o envenenamento dos peixes, não foi coibido e sim incentivado. Os órgãos de fiscalização foram desestruturados e as regras jurídico-administrativas de defesa ambiental, flexibilizadas. Até as multas dos infratores não foram e não estão sendo cobradas, mas ignoradas. (O ministro do meio-ambiente, Ricardo Salles, chegou ao cúmulo de se deslocar de Brasília para reunião com grileiros e desmatadores, desautorizando a Polícia Federal, que acabara de fazer a maior apreensão de madeira extraída ilegalmente, na Amazônia Legal).
Como a política ambiental, em sua essência, não deverá ser alterada, só resta esperar que haja um endurecimento da pressão externa, em especial dos Estados Unidos e da União Européia, para frear e desestimular a associação entre o governo Bolsonaro, os desmatadores e os garimpeiros ilegais. A reação interna a esses desmandos traz igualmente alguma esperança. Os 24 governadores que lançaram manifesto criando uma coalizão pró defesa ambiental poderão repetir, em um novo e patriótico desafio, o trabalho incansável de combate à pandemia, desenvolvido em conjunto com os prefeitos, suprindo a omissão e o negacionismo de Bolsonaro. Essas forças externa e interna, reunidas, trazem esperança e alento. No tocante a crença de que a Terra é plana, não seria motivo para maiores preocupações, uma vez que isso não altera em nada – nem irá alterar – a realidade. O que preocupa é a negação dessa realidade.
Olavo de Carvalho, pseudo filósofo, guru de Bolsonaro, seus filhos e seguidores, afirmou que não vê provas nem evidências que refutem a tese de que a Terra é plana. Essa teoria, datada do século XVII a.C., sustenta que a Terra é um disco plano cercado por água, acima e abaixo; que o firmamento impede a água acima de se despejar na Terra, mas permite que a chuva escoe e que água abaixo surja como rios e mares. Durante 3000 anos, até o início das grandes navegações, esse pensamento pareceu dominante. Contudo, em 1519, uma frota de navios comandada pelo português Fernão Magalhães (que morreu durante a viagem) e pelo basco Juan Sebastian de Elcano, partiu de Sanlúcar, na Espanha, em direção a oeste, e fez a circunavegação do globo, retornando ao solo espanhol, em 1522. Depois, com os avanços científicos, ficou definitivamente comprovado ser a Terra redonda (embora ligeiramente achatada nos polos e arredondada no equador). Mas não para Bolsonaro e seus seguidores.
O negacionismo científico o levou a relativizar e a desconsiderar a gravidade do covid 19. E isso está se repetindo com sua recorrente negação do aquecimento global. A Terra continuará redonda independentemente do que pensam os terraplanistas. Mas, com Bolsonaro na presidência, até 2022, só a pressão política externa – principalmente – e a interna, como se disse, evitarão a destruição dos rios e das florestas do país, e das muitas espécies que neles habitam. Se isso não acontecer, e a política ambiental errática do atual governo for mantida, e levando-se em conta ser o Brasil um país de dimensões continental, a cor azul predominante da Terra será tisnada pelo cinza escuro das queimadas da Amazônia Legal, do Pantanal e de outros biomas, com as previsíveis e deletérias consequências para o meio ambiente planetário.
(Foto: Nasa)