Governo entra em processo de autofagia na CPI
De Josias de Souza, no UOL:
O processo de decomposição do governo Bolsonaro na CPI da Covid evoluiu para o estágio da autofagia. Nele, os membros da seita do negacionismo comem suas próprias entranhas. Mastigado pelo ex-chanceler Ernesto Araújo num depoimento de quase seis horas, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello vai ao banco da CPI nesta quarta-feira sangrando. Não lhe restaram muitas opções. Ou morde Bolsonaro ou crava os dentes na própria carne.
Na prática, Araújo confessou sua inépcia. Sob seu comando, o Itamaraty comportou-se como se não houvesse pandemia. Culpou a pasta de Pazuello pela imprevidência de comprar a cota mínima de vacinas ofertadas pelo consórcio Covax Facility, da OMS. Jurou que partiu da Saúde também a ordem para a aquisição de cloroquina na Índia. Nesse ponto, quando apertado, Araújo reconheceu a participação de Bolsonaro, que falou por telefone com o primeiro-ministro indiano.
“Não houve plano único, uma política” para o gerenciamento da crise sanitária, declarou o ex-chanceler, sem se dar conta de que mordia a língua de Bolsonaro. Como “o Itamaraty não age de maneira autônoma”, submeteu-se às demandas do ministério de Pazuello, comandado na base do “um manda e o outro obedece.”.
Na negociação sobre a vacina de Oxford-AstraZeneca, o Itamaraty apenas deu “apoio secundário, logístico, operacional.” No colapso hospitalar de Manaus, enquanto o time de Pazuello receitava cloroquina a quem precisava respirar, a diplomacia brasileira fingiu não ver a doação de cilindros de oxigênio feita pela Venezuela. Araújo não pediu nem agradeceu o socorro. Estava envenenado pela “ideologia”, acusou o presidente da CPI, Omar Aziz, eleito pelo Amazonas.
Enquanto triturava Pazuello, submetendo-o a uma forma de canibalismo típica dos caetés, que comeram o bispo Sardinha, Araújo atingiu uma espécie de cume do cinismo. Declarou várias vezes que nunca fez declarações ofensivas à China, que fornece o insumo usado pelo Butantan e pela Fiocruz na fabricação de vacinas. Leia mais.
(Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado)