Tragédia anunciada, em dois atos
A decepção com a qualidade da nova legislatura da Câmara de Maringá repete o que se viu nas anteriores. Muitos eleitos em 2020 como esperança são hoje iguais aos reacionários, assistencialistas e populistas mais antigos que por lá passaram. A equivalência tem um agravante: os vereadores de Maringá podem passar a ser corresponsáveis por mortes pelo novo coronavírus a partir da aprovação de projetos estapafúrdios. Um foi aprovado na sessão de terça-feira, e outro, uma espécie de um segundo ato trágico, põe fim às restrições ao comércio em época de pandemia, que foi protocolizado hoje.
Ambas as iniciativas saíram da pena de Rafael Roza, ligado à Igreja Bola de Neve. O projeto de ontem estabelece como essenciais as atividades das igrejas e dos templos (como se fossem dissociáveis) em período de calamidade pública. Acredite, o projeto teve 14 votos. Faz lembrar um recente comentário de Reinaldo Azevedo sobre as igrejas que querem funcionar independentemente da existência de pandemias: as igrejas que pedem cultos presenciais usam largamente a televisão para fazer cultos eletrônicos. “Pedem até que copos d’água sejam deixadas próximos do aparelho da TV para a unção. Afinal, Deus está ali ou não?”. Para o surfista Legislativo maringaense, Deus parece existir somente se houver culto presencial. Calamidade, lembre-se, significa destruição ou desastre em grande escala que afeta extensa área ou grande quantidade de pessoas; catástrofe.
Como nada que está ruim não possa piorar, o mesmo vereador – aquele cercado de auxílio emergencial de vários lados , conhecido por votar contra servidores públicos municipais – apresentou hoje projeto que permite o funcionamento dos estabelecimentos comerciais por, pelo menos, dez horas diárias, durante o período de enfrentamento da pandemia de covid-19. A proposta prevê controle de lotação máxima (em Maringá o pessoal é muito obediente, basta ver pelos lados da avenida Senador Petrônio Portela). Na prática, o projeto acaba com as restrições nesta época de pandemia, prerrogativa do Executivo e autoridades sanitárias, e instala um “ninguém é de ninguém”. Resta saber se os mesmos 14 que votaram favoravelmente a seu projeto de ontem também vão votar nesta outra indecência – e quem sabe até assumir as mortes decorrentes do aumento inevitável dos casos da doença.
(Foto: Marquinhos Oliveira/CMM)