Prioridade para crianças e adolescentes vulneráveis
Por Wanderson Oliveira, em O Globo:
Vivemos a maior pandemia em 102 anos. Não há profissional ou instituição no planeta que tenha respostas prontas para todas as situações. Mesmo o Programa Nacional de Imunizações (PNI), com todo o seu histórico, jamais foi submetido a desafio tão complexo. É preciso reconhecer limitações e a necessidade de ajustes. Nas palavras do general Dwight Eisenhower, “na preparação para a batalha, os planos são inúteis, mas o planejamento é indispensável”. Líderes não podem ficar presos a um plano como a uma camisa de força.
Como exemplo, tomemos a vacina da Janssen. Ela era esperada apenas para o quarto trimestre. No entanto, por um esforço bilateral, uma remessa de 3 milhões de doses pode chegar nos próximos dias. Não parece que o governo estava preparado para a antecipação como deveria. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou em 11 de junho o uso da vacina da Pfizer para adolescentes a partir de 12 anos. Ela passou a ser a única opção para esse grupo etário. O Ministério da Saúde prevê receber, até o final de 2021, cerca de 663 milhões de doses, 352 milhões delas até o final do terceiro trimestre. Como epidemiologista e pai de uma criança com deficiência, proponho que as doses sejam usadas de modo mais racional.
Considerando que a Pfizer é a única vacina disponível para a faixa etária de 12 a 17 anos, não é aceitável que adolescentes com comorbidades e deficiência permanente não estejam priorizados já em junho, para poderem voltar às aulas presenciais com os professores e trabalhadores que já estarão protegidos, junto aos demais estudantes sem condições de risco. Se não forem vacinados, esse será o único grupo que continuará vulnerável, pois não poderá voltar às atividades presenciais na escola. Não podemos admitir isso. Se não priorizarmos a vacinação dos adolescentes imediatamente, eles só terão perspectiva de retorno escolar em 2022. Lamentavelmente, minha filha ainda não estará contemplada, pois tem apenas 3 aninhos. Mas temos de lutar por esses jovens com deficiência e comorbidades.
Serão necessárias vacinas para apenas 500 mil pessoas com deficiência permanente e 2,5 milhões com comorbidades, num universo de 19,6 milhões de adolescentes. Considerando que cada dose da Janssen vale por duas doses da Pfizer, seria possível pegar o quantitativo de doses da Pfizer para vacinar os adolescentes, e o governo poderia repor as doses da Pfizer com as vacinas da Janssen, evitando assim desfalque. Bastam boa vontade e planejamento.
Temos também uma grande oportunidade de nos organizarmos para celebrar as festas de fim de ano com mais segurança e proteção. Para isso, os governos federal, estaduais e municipais precisam estar articulados e pensar de modo mais ousado. A população do Brasil é estimada em 213 milhões. O racional seria prever a vacinação de 90% de todos com mais de 18 anos, ou 144 milhões. Para isso, são necessários 288 milhões de doses. Até 13 de junho, já havia sido aplicado um quarto disso. Para vacinar o restante até 31 de outubro com duas doses, seria preciso aplicar 11 milhões de doses por semana. No último mês, a média que conseguimos foi de 4 milhões. Considerando a situação atual, ao final de outubro só teremos 53% da meta cumprida e 66% até o final de dezembro.
É possível aumentar? Sim, mas para isso é necessário, obviamente, garantir as doses, reduzir o intervalo para o prazo mínimo da bula (quatro semanas) e investir em parcerias com as clínicas privadas e empresas para que ocorra um mutirão nacional. O SUS precisa se mobilizar e pensar de modo mais ousado. Se o setor econômico deseja recuperar parte das perdas, deve pressionar para que seja realizado esse grande mutirão por meio do esforço coletivo de vacinação até o final de outubro. Com isso, a partir de meados de novembro, 70% da população brasileira estará vacinada e potencialmente imunizada contra a Covid-19. Já pensou poder fazer um churrasco, poder viajar para as praias sem preocupação?
(*) Wanderson Oliveira é doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é secretário de Serviços Integrados de Saúde do STF e pai da Liz. Foi secretário nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde