A promessa

O candidato da promessa se elegeu. Esperei uma manifestação dele. O tempo passou. Nada.

“Você escreve muito bem, tem um texto excelente, se eu me eleger vou te levar para minha assessoria”, prometeu o fulano.
Na minha época de criança, na roça, se a gente fosse enganada, diziam que levara uma manta. Um dito popular que queria dizer: “jogaram um pano sobre a cabeça do outro, ele não viu nada e foi enganado”.

Minha saudosa mãe, analfabeta, de vocabulário reduzido, alertava sobre a manta. Ela recomendava cuidado com falas mansas e excesso de humildade. “Macaco velho se apossa do cacho sacudindo a bananeira”, dizia ela, na roça, nos bate-papos na pausa para o almoço e o café da tarde, sob a brisa da sombra de alguma árvore.

Não pedi nada. Um candidato me ofereceu um cargo na sua assessoria caso se elegesse. Na primeira vez, não respondi nem sim nem não. Em outra ocasião, ele voltou ao assunto.

De novo, rasgou elogios a mim. “Jornalista respeitado, sério, competente”. Repetiu: “Não é possível que uma pessoa igual a você não seja aproveitada. Se eu me eleger, vou te nomear na minha assessoria”.

Diante dos afagos, disse que aceitaria. Ele se mostrou radiante. Vi na proposta um alívio na penúria financeira dos últimos três anos. Quem é jornalista autônomo sabe. A fase é cruel. A gente vive de uma bicada ali, outra acolá, sem perspectiva de que no fim do mês terá dinheiro ao menos para pagar as contas. Também sou professor, mas em tempo de pandemia, as aulas particulares minguaram.

Mas senti uma nesga de desconfiança. Reflexo dos conselhos da minha mãe e da experiência. Tenho relação umbilical com a política. Desde 1982, acompanhei pari passu dezenas de campanhas e apurações de votos. Da época em que a contagem deles era manual. A imprensa ficava num local isolado, apelidado de chiqueirinho, transmitindo resultados parciais da apuração.

Nunca fui atrás de nomeações em cargo público. Em certos casos, um terreno movediço, palco de um jogo encardido, grotesco, duelado por toupeiras. Em 35 anos de jornalismo atuei em duas assessorias políticas. Na equipe do saudoso prefeito José Domingos Scarpelini, em Apucarana, e na do prefeito Humberto Feltrin, em Marialva.

O candidato da promessa se elegeu. Esperei uma manifestação dele. O tempo passou. Nada. Pensei. A iniciativa partiu dele. Não pedi nada. Vou perguntar. E perguntei: “E aí ficamos de conversar sobre aquela proposta de trabalho em sua assessoria?”. Ele respondeu hesitado feito um interlocutor do dilema de Eutífron: “Sim, ficamos, mas as coisas mudaram, e eu tive de prestigiar gente da minha equipe”.

Levei uma manta. Mas minha mãe me consolou. Ela dizia que tudo na vida, por mais aborrecível, traz algo bom. No meu caso, o “algo bom” foi recordar que lera Machado de Assis. No conto “Teoria do medalhão” um pai dá conselhos ao filho que chegara à maioridade.

De como ele deveria agir no mundo. Entre outras coisas, o pai recomenda que o filho se mantivesse neutro perante tudo, possuísse um vocabulário limitado e conhecesse pouco. Sempre preferisse um humor simples e direto. Nunca a ironia, que requer certo raciocínio e construção imaginativa.

Vida que segue!



(*) (Donizete Oliveira, jornalista e historiador

(Foto: Bruno Pires)