Indignação e coragem

Jair Bolsonaro e Ciro Nogueira, em abril de 2019

Por JOÃO BERDU GARCIA JÚNIOR

As emoções movem o mundo. Milhares de pessoas saíram de casa para ocupar as ruas de Seattle em 2010 e no início de 2011 movidos pela emoção milhares de espanhóis acamparam em uma praça de Madri, milhares de tunisianos indignados iniciaram a revolução de Jasmim em Túnis e mais de um milhão de egípcios ocuparam a Praça Tahrir, no Cairo. A Primavera Árabe se espalhou pelas ruas do Iêmen, Argélia, Síria, Marrocos, Omã, Bahrein, Jordânia e Sudão. Ventos sopraram fúria.

No Brasil, uma emoção também levou pessoas às ruas em 2013 potencializando a relação entre as redes sociais e os movimentos de rua. Esta emoção contribuiu para que protestos contra o aumento de R$ 0,20 na tarifa de ônibus em São Paulo e no Rio de Janeiro fossem repercutidos em outras dezenas de cidades do Brasil com o acréscimo de várias outras reivindicações nas áreas de educação, habitação, saúde e segurança pública em um movimento que ficou conhecido como Jornadas de Junho. A internet e as ruas deram voz à indignação.

Assim como as emoções, as redes sociais tiveram grande protagonismo na Primavera Árabe e nas Jornadas de Junho. Por aqui, a “coordenação” feita por mídia social não era a única novidade, também era algo novo que movimentos sociais que ocupavam as ruas de maneira representativa em todo o país não tinham a liderança de partidos de esquerda, centrais sindicais ou movimentos sociais ligados à esquerda. Em 2013 os movimentos ainda não tinham a cara da direita, mas a esquerda teve medo.

Em 2015 as emoções voltaram às ruas no Brasil e no dia 15 de março as manifestações convocadas através das redes sociais levaram pessoas às ruas nos 26 estados, no distrito federal e em pelo menos 152 municípios brasileiros, incluindo todas as capitais. Na Avenida Paulista, em São Paulo, os protestos envolveram mais de um milhão de pessoas segundo a polícia militar. Os manifestantes pediam mudança, defendiam o fim da corrupção e o MBL – Movimento Brasil Livre, um dos organizadores das manifestações, defendia uma agenda política liberal com menor intervenção do estado na economia e manutenção do estado de direito como conceitos fundamentais de uma sociedade livre, próspera e justa. Na rua estavam o povo e a esperança.

A mobilização popular contribuiu para os acontecimentos políticos que se sucederam e que resultaram no impeachment da Presidente e promoveram nas eleições de 2018 uma grande renovação de mais de 50% dos eleitos na Câmara do Deputados e mais de 85% dos eleitos no Senado além da interrupção da sequência de eleição de governos petistas que protagonizaram o maior escândalo de corrupção da história. O partido de Bolsonaro conseguiu eleger a segunda maior bancada de deputados federais e isto permitiria que ele implantasse com certa agilidade sua agenda econômica de campanha. Uma agenda liberal que defendia privatizações, aumento de competitividade, reforma tributária e reforma administrativa do Estado para possibilitar a diminuição do peso e tamanho do Estado no bolso do pagador de impostos. Para implantar esta agenda liberal tinha sido nomeado um ministro da economia com grande preparo e credibilidade para a tarefa. No Posto Ipiranga tinha alegria.

Não, a felicidade não reinou para sempre. À medida que o tempo passou a sociedade brasileira foi se dando conta que tinha sido vítima de estelionato eleitoral: nenhuma privatização foi feita em 2019, ao invés disto foi criada uma nova estatal, a NAV Brasil. Mesmo tendo facilidade em obter maioria nas votações no Congresso, o executivo federal não avançou na reforma tributária ou na reforma administrativa para aliviar o peso do Estado no bolso do cidadão como foi prometido em campanha e como o Posto Ipiranga seria capaz de entregar. Bolsonaro demonstrava maior empenho em auxiliar o filho envolvido em investigação criminal ao mesmo tempo em que animava a sua claque digital com demonstrações de pouco apreço pelo regime democrático. A agenda liberal foi deixada de lado, as prioridades eram outras. Foi também para segundo plano o combate à corrupção e ao crime organizado, pois na defesa de sua família Bolsonaro entrou em colisão com o Ministro da Justiça Sérgio Moro. Os desvios éticos de Bolsonaro não passavam despercebidos pelo homem que anos antes tinha se notabilizado nos julgamentos da operação de combate à corrupção sistêmica que existia na Petrobras e submetido poderosos ao justo processo legal, levando à condenação vários empresários e políticos poderosos. O combate à corrupção era passado, Bolsonaro queria influência nas ações da polícia federal para evitar problemas para seus parentes e amigos. 2019, ano da decepção. 

Em 2020 o mundo parou, a covid-19 debilitou pessoas e colapsou sistemas de saúde. Líderes de governo em todo o mundo buscavam soluções para uma aparente dicotomia entre proteger a saúde e preservar a economia e com o passar do tempo perceberam que esta dicotomia não existia, preservar a saúde era a forma mais eficiente de retomar a atividade econômica. Contra todas as evidências, Bolsonaro defendia, e ainda defende, medidas profiláticas que foram descartadas após avaliação inicial no combate à covid-19 . Contra todas as evidências Bolsonaro insistiu em desacreditar medidas que eram defendidas e usadas no mundo todo para diminuir a carga viral em circulação.  Hoje, o Brasil com 3% da população mundial acumula 13% das mortes por covid-19 . Em 2020 a tristeza veio morar no Brasil e segue morando em 2021.

Bolsonaro traiu suas promessas de campanha: “Se é só com toma lá da cá, eu tô fora!”, colocou Ciro Nogueira na Casa Civil, se declarou membro do Centrão e a ele “entregou a alma do governo”, em suas próprias palavras. Bolsonaro sabe que uma parte significativa de seus eleitores em 2018 não votará nele novamente por conta desta traição. Ele está com medo e um presidente fragilizado é tudo que o Centrão mais deseja. Para o Centrão é melhor um presidente que tenta a qualquer custo se manter no cargo. Sim, no cargo, pois com a alma e o poder está o Centrão, que sabe cobrar. Bolsonaro está pagando e está pagando com o dinheiro de todos nós. O Centrão sente o cheiro do medo.

Mais de uma centena de pedidos de impeachment se acumulam na mesa do Presidente da Câmara, foram vários os crimes de responsabilidade e apenas em relação ao combate à pandemia – um dos pedidos de impeachment – lista os crimes cometidos por orientação verbal ou pronunciamentos do presidente, crimes cometidos por seus atos individuais que infringiram normas estaduais e municipais, como provocar aglomerações e não utilizar máscaras, crimes cometidos na qualidade de chefe do governo federal por omissão, como ignorar ofertas de vacinas, crimes cometidos na qualidade de chefe do governo federal por ações contrárias às orientações técnicas e científicas, como interferência política no Ministério da Saúde, uso dos meios de comunicação e transparência oficiais para atender o viés político e pessoal do presidente, contrários às orientações de entidades técnicas e científicas, ilegalidade na produção e distribuição de hidroxicloroquina. Uma sequência de absurdos que, conforme poderá provar a CPI da Covid-19, foi responsável pela morte de milhares de brasileiros. Analisados juridicamente, os crimes cometidos por Bolsonaro estão enquadrados nos artigos 5º, 6º, 7º, 8º e 9º da Lei 1.079/50 que trata dos crimes de responsabilidade. Os crimes foram muitos e no Brasil não houve impeachment sem o povo nas ruas. Em 2016 brasileiros transformaram indignação em ação e foram às ruas. Hoje, temos motivos de sobra para indignação e em 12 de setembro teremos oportunidade de ir às ruas pelo impeachment de Bolsonaro. Isto nos trará ainda a retirada de Lula da disputa eleitoral, pois eleitoralmente um não se viabiliza sem a participação do outro. Precisamos impedir que até a eleição de 2022, Bolsonaro e Centrão continuem negociando proteção contra a indignação popular.  Uma vez mais, a indignação será transformada em ação.

“- Se ele errar, a gente tira”. Pois bem, ele errou, errou feio! Está na hora de iniciar o processo democrático para a sua retirada. #12SetForaBolsonaro.  Vamos pra rua mostrar que a coragem muda tudo.


(*) João Berdu Garcia Júnior – Engenheiro agrônomo, empresário, filiado ao partido Novo em Maringá e aluno da Academia MBL – Equipe Minotauros da Justiça. Publicado na edição de hoje do Jornal do Povo

(Foto: Marcos Corrêa/PR)