Decreto anulado transmitia manifesto interesse pessoal em prol do particular (Arca) pelo ente público (Silvio Barros II)

Decisão judicial evitou que município se desfizesse gratuitamente de lote de terras avaliado em quase R$ 23 milhões

A sentença do juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Maringá determinando a anulação de um decreto municipal de 2008, assinado pelo então prefeito Silvio Barros II (PP) e que beneficiou a Arca Comércio e Locação de Imóveis Ltda., evitou um prejuízo aos cofres públicos de R$ 22.989.480,00, com a correção do IGP-M, índice balizador de correção para contratos para a compra de imóveis. Em 2018 o imóvel de 25.732,02 metros quadrados, que durante anos sediou o Clube Recreativo Mandacaru, foi avaliado em R$ 14.155.361,00.

O pedido de anulação do decreto foi feito através de ação popular e apontava que a imobiliária comprou irregularmente o imóvel, que havia sido desapropriado adquirido pelo município em 1970, na gestão Adriano Valente. A decisão do então prefeito Silvio Barros II beneficiou diretamente a imobiliária. A decisão, do final de julho, tem 38 páginas e nela o juiz dá a verdadeira dimensão do caso, inédito na história administrativa de Maringá. O juiz determina a imediata alteração do lote 27-C no registro de imóveis: “A materialização do acima decidido será efetivada por meio da expedição de ofício para o Cartório de Registro de Imóveis do 3º Ofício desta Comarca, a ser registrado junto a matrícula de nº 8.598, do imóvel constituído pelo Lote de Terras nº 27-C, passando nela constar o município de Maringá como seu lídimo proprietário, o que, neste ato, determino. Expeça-se, imediatamente, o referido ofício.”

Em outro trecho, após a verificação de documentos, ele diz poder afirmar, “com certeza absoluta, que foi exercitada a posse de fato pelo município de Maringá sobre o lote de terras nº27-C, bem assim, que houve pagamento pelo bem expropriado, razão pela qual, conforme foi observado acima, tem-se que o decreto nº99/1970 foi concretizado, sendo, assim, um ato jurídico perfeito, insuscetível de revogação, a ensejar a efetiva expropriação do lote de terras nº27-C, que passou a integrar, desde as alinhavadas datas, o patrimônio público de todos os maringaenses”.

“Ao que parece, a renúncia de interesse sobre o imóvel que estava em posse do município, já expropriado e, portanto, integrado a seu patrimônio (uma vez que a sentença expropriatória já se encontrada passada em julgado há anos), indica forma de rediscutir matéria já decidida, confrontando, por assim dizer, a coisa julgada material, além de atender, ao que tudo indica, interesse privado (espúrio), em detrimento do interesse público.

Neste viés, algumas perguntas deveriam ter sido respondidas pela parte ré, as quais, entretanto, remanescem sem resposta, embora sejam de suma importância para o esclarecimento da questão posta sob apreciação judicial: como fica a situação do município – e aqui leia-se dos munícipes maringaenses, que são aqueles que cumprem suas obrigações tributárias e abastecem os cofres públicos – que adiantou, desde 1970, o valor da indenização pelo imóvel expropriado, sendo seu possuidor desde sua imissão na posse (em 1971), que sem qualquer justificativa consistente vem, quase quarenta anos depois, revogar uma desapropriação consolidada judicialmente, desistindo de seu patrimônio? Seria razoável essa “desistência”, depois de, repita-se, quase quarenta anos de tramitação processual, tendo o seu objeto (imóvel constituído pelo lote de terras nº27-C) aumentado em milhões de reais seu patrimônio? Qual seria, então, a contraprestação, proveito ou vantagem advinda dessa desistência para a população maringaense? Por qual razão não preferiu o réu Silvio M. Barros II, então prefeito de Maringá, se não tinha interesse em continuar com a propriedade do citado bem imóvel, vendê-lo, atendendo aos ditames legais para tanto (lei de licitações), angariando considerável recurso monetário (dinheiro em espécie) ao erário público local, ao invés de dele dispor graciosamente?”.

O juiz frisa ainda que, “além dos prejuízos patrimoniais decorrentes das condutas engendradas dos réus, dos autos também se depreende, de forma bastante clara, que houve ofensa ao princípio da impessoalidade, insculpido no artigo 37, “caput”, da Constituição da República de 1988, haja vista que o decreto nº1369/2008, que revogou o ato expropriatório nº70/1970, transmite manifesto interesse pessoal em prol do particular (ré Arca) pelo ente público (réu Sílvio M. Barros II), justamente diante de uma cessão gratuita de um imóvel já expropriado e integrado ao patrimônio público, de valor milionário“.

(Foto: Google Maps)