Urucubaca chinesa

De Elio Gaspari, em O Globo:

Num episódio típico dos primeiros momentos da ditadura, nove chineses foram presos no Rio de Janeiro em abril de 1964. Estavam em missão oficial de um governo que o Brasil não reconhecia formalmente e viram-se acusados de fomentar a subversão comunista com agulhas envenenadas e bombas teleguiadas com formato de pássaros. Alguns apanharam, todos fizeram greve de fome e vagaram por meses pelas cadeias da cidade. Em abril de 1965, quando haviam se transformado numa batata quente para a diplomacia brasileira, foram expulsos do país.

Um deles tornou-se embaixador em Angola e chefiou o setor de América Latina do Ministério das Relações Exteriores da China. Outro tornou-se presidente do Conselho para a Promoção do Comércio Internacional e, nessa condição, conversou com o presidente João Batista Figueiredo em 1984.

— Morei um ano no Rio de Janeiro — disse-lhe o diplomata.

— Então o senhor deve conhecer bem o Brasil.

— Conheço muito pouco, porque fiquei, aquele ano, quase todo preso.

Os repórteres Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo contaram toda essa história no livro “O caso dos nove chineses”, que será atualizado e reeditado. Eles descobriram que em 2014, no governo de Dilma Rousseff, os chineses de 1964 foram agraciados com comendas da Ordem do Cruzeiro do Sul. As patacas e os diplomas foram mandados para a embaixada do Brasil em Beijing, mas em maio passado ainda estavam engavetados e não haviam sido entregues aos sobreviventes ou a seus familiares.

O decreto de expulsão dos nove chineses já foi revogado, e a concessão da honraria foi publicada no Diário Oficial. Engavetar as patacas é um caso exemplar da clarividência do então chanceler Azeredo da Silveira quando dizia:

“Tem gente que atravessa a rua só para escorregar na casca de banana da outra calçada”.