A cagada e a quase cagada no ônibus

De repente, um falatório. “Motorista, um sujeito tá fazendo sujeira aqui”, berrou um. “Ele tá cagando mesmo, aqui no canto”, emendou outro. Eu estava num ônibus por volta das 7 horas da manhã. Daqueles, que chamam de circular. Os passageiros, a maioria era trabalhadores. De manhã, havia vários horários sequentes para dar conta da lotação.
Ao chegar à rodoviária, entrou um rapaz de uns 25 anos. Magrelo, sujo e barbudo. Eu estava sentado à frente, ele passou a roleta e sentou-se lá atrás na última fileira de bancos, no cantinho. Carregava uma mochila ensebada e trajava um blusão azul surrado.
Os passageiros irritados exigiam providências do motorista. Alguns ameaçavam tirá-lo à força do ônibus. Do banco em que eu estava, não o via e não sentia nenhum mau cheiro. Ele reagia dizendo que a dor de barriga passara e não ia descer. O motorista desligou o motor, desceu pela porta da frente e foi lá. Disse que não se sentia melhor do que ele por conduzir o ônibus, mas exigia que ele descesse. Eu com horário para chegar ao destino, que cagada!
Ele bateu pé. Não desceria, pois o intestino se aquietara. Um passageiro mais exaltado ameaçava jogá-lo porta abaixo. O motorista insistiu sem alterar a voz, mas ele teimava que não, que a dor de barriga cessara. Até que o motorista concordou, mas disse que se voltasse a tentar fazer sujeira ali, iria deixá-lo no posto da Polícia Rodoviária, logo à frente.
Retornou ao volante e conduziu o ônibus; o rapaz se levantou em meio a olhares de poucos amigos e sentou-se num banco dianteiro. Uma mulher bradou: “cara de pau, sem vergonha”. “A senhora também não caga”, devolveu ele. “Cago, sim, mas no meu banheiro”, retorquiu ela.
Uma moça morena, baixa, cabelos lisos, que denunciavam um banho recente, também o maldizia. “Estava adivinhando que esse traste ia aprontar alguma aqui dentro, seu safado”, bronqueava. Ele, baixinho, dizia que não era doce para gostarem dele.
Eu, no meu banco pensei em Diógenes, o Cínico. Um filósofo de Atenas que não estava nem aí para as convenções sociais. Vivia nu dentro de um barril rodeado por cães. Entendia ele que o ser humano não deveria querer mais do que o necessário para viver bem. Bastavam comida, água e o mínimo abrigo do sol e do relento.
Não sei se o rapaz do ônibus tem hábito de fazer suas necessidades físicas em público. Diógenes fazia e ignorava os que o criticavam. Dizem que certa vez o conquistador Alexandre, o Grande, quis conhecê-lo. Protegido pelos seus seguranças, ao encontrá-lo nas ruas de Atenas, aproximou-se e disse: “Diógenes, posso lhe dar o que quiser. Diga o que você quer para deixar essa vida?”. Calmamente, aquele que recebera o apelido de cão, respondeu: “quero que saia da minha frente, o senhor tá tapando os raios de sol que aquecem meu corpo”.
Num ponto à frente, uma mulher que se sentou ao meu lado, afirmou: “Por conta dessa cagada acho que vou perder meu próximo ônibus”. “Ao menos não tivemos uma cagada de fato”, acrescentei. Ela sorriu com o canto dos lábios. Por causa dos minutos perdidos ali, eu cheguei atrasado ao dentista.
(*) Donizete Oliveira, jornalista e historiador
(Ilustração: Netmundi. Org, Arte, Cultura e Filosofia)
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