Tampinhas que valiam ouro

Os tambores de lixo enfileirados guardavam um tesouro. A gente revirava um por um. À procura das tampinhas. De Coca-Cola e Fanta. Traziam os personagens da Disney estampados ao fundo. Naquele tempo, não tinha refrigerante de latinha. Eu vendia laranja, banana e uva, numa cesta, no antigo Posto dos Catarina, nas margens BR-376. Entre Apucarana e Jandaia do Sul.
Movimentada região do Norte paranaense. Ainda não existia a PR-444, ligando Mandaguari a Arapongas. Ônibus de linha e turismo e muitos caminhões paravam ali para as refeições e abastecimento. No almoço e no fim da tarde era um fervor de carros que chegavam e partiam.
Eu morava num sítio, cuja cabeceira emendava à rodovia. Após esvaziar a cesta de frutas, ia aos tambores de lixo atrás das tampinhas. Demorei a completar a coleção que somava 72. Tinha uma cartela. Vendida em bancas de jornais e revistas para jogar uma espécie de bingo com as tampinhas.
Achar um personagem diferente era a felicidade da molecada. O amigo Nilson, que morava numa casa do outro lado do Posto Catarina, era um dos colecionadores. Sempre tinha novidades. O Zé, irmão dele, era sortudo. Sempre achava raridades.
Uma das tampinhas mais cobiçadas era a da Maga Patalógica. Do Pateta e da Madame Mim também. O Nilson sempre as tinha. Talvez por morar ali perto, ele e o irmão estavam sempre à caça das consideradas raras. Com ajuda dele e de outro amigo de uma localidade chamada Jangadinha completei minha coleção. Continua guardada na minha estante. Enferrujada, mas está lá.
Para minha surpresa, no Mercado Livre uma coleção das tais tampinhas chega a custar R$ 500,00. Mas não a preservei por dinheiro. Por lembrança mesmo. Algo que me rendeu tanto sacrifício. Juntar uma a uma. Só as figurinhas de jogadores das Copas do Mundo equipararam ao sucesso. Que, infelizmente, não guardei. Cheguei a completar alguns álbuns que se perderam nas muitas mudanças que fizemos.
Até adultos se encantavam com as tampinhas. Tinha um senhor que andava bem trajado. Brilhantina nos cabelos, calças e camisas de tergal, sapatos brilhando. Quem o via achava que fosse da cidade, mas morava na roça. Aos domingos, ele não perdia uma matinê nos cinemas de Apucarana. Gostava de falar de filmes de bangue-bangue. Uma aula. Sabia quase tudo sobre eles.
A chegada dele da cidade era a felicidade da molecada. Ele sempre trazia um saquinho cheio de tampinhas. Mas não dava. Vendia. Na gana de completar a coleção, a gente juntava dinheiro e comprava. Uma vez paguei caro por uma tampinha do Pateta.
Na roça, ao lado de nossa casa, tinha um enorme terreiro de secar café e cereais. Aos domingos a gente se reunia ali. Quase uma feirinha. A molecada se achegava. Cada um com suas tampinhas. A gente as colocava enfileiradas no chão. Trocas e até vendas. Se o fulano endurecesse na negociação, quem podia mandava uns trocados. O dinheiro era curto. Logo o moleque se desapegava da relíquia.
Com as vendas de frutas comprei muitas tampinhas. Daquele senhor bem trajado foram várias. Certos comerciantes despertavam inveja na gente. Expunham a coleção na parede do estabelecimento. No distrito do Pirapó, me lembro do Índio. Dono de uma venda sortida. Aqueles armazéns antigos. Na parede uma coleção de tampinhas. Aguçava minha cobiça. Queria levar para casa. Mas ficava lá em cima. Intocável. Tampinhas que valiam ouro. Ao menos para a gente.
(*) Donizete Oliveira, jornalista e historiador.
Foto ilustrativa: Pinterest.
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