Do estilingue e a arapuca à câmera fotográfica

O tiziu após cada cantar dava um pulinho no galho de café. Não muito longe, a fogo-apagou respondia. A juriti, que chamam de madrugadora da floresta, complementava com seu canto melancólico. O sabiá emendava uma melodia afinada. O joão-bobo fechava a sinfonia. Difícil enxergá-lo. O canário-da-terra e o tico-tico também produziam seus acordes.

Uma vida em meios aos passarinhos. Assim era na roça. Naquela época, quase não tinha lavoura de cana de açúcar. As pombinhas se aninhavam nos cafezais. A gente as caçava. Em determinados lugares, era possível encher embornais. A arma de caça era o estilingue. Uma forquilha, duas borrachas amarradas a um pedaço de couro. Para arremessar as pedras.

A gente mirava na cabecinha. Não raro, acertava. Voltar pra casa com passarinhos no embornal era sinal de missão cumprida. Despenar e fritar. As perdizes rendiam mais carne na frigideira. Nos pastos com capim alto tinha muitas. A caça entre a molecada era comum. Os adultos incentivavam. Eu matei muito passarinho. Minha consciência não percebia tal erro contra a natureza.

Também os prendia em gaiolas. Armava arapucas. Feitas de pauzinhos trançados e amarrados com cipó. Colocava milho ou fruta debaixo. O passarinho entrava e a desarmava, capturando-o. A gente a colocava nas beiras de riachos. Aqueles que lá iam beber água, quase sempre, caíam na armadilha.

Meu primo, eu e meu irmão andávamos longe atrás de passarinhos. Na década de 70, tinha matas quase intactas. Uma vez capturamos um gavião. Não lembro se carijó ou carcará. Raro capturar, mas tinha muito. Um enorme caiu na arapuca pesada. De galhos de eucaliptos. Eu me apavorei ao ver aquele frangão ali, tão perto.

Teimei em tirá-lo da arapuca. Meu irmão a ergueu. O gavião pulava feito doido. Segurei nos pés dele, mas não consegui agarrar o pescoço. Levei uma potente bicada no cotovelo. Soltei-o rapidamente. Ele passou por baixo da arapuca e voou. Eu abri a boca num choro sentido. Meu irmão não sabia se era dor ou tristeza pela fuga da ave. Nunca mais quis saber de gavião. Por alguns dias, minha mãe curou com mercúrio. Até cicatrizar. Naquele tempo, mercúrio era usado para tratar ferimentos.
Os estilingues tinham uma borracha especial. A gente chamava de “borracha viva”, que dava força para arremessar a pedra. Quando se iam à cidade, meus irmãos passavam nas borracharias. Os borracheiros guardavam pedaços daquela borracha para vender aos que faziam estilingue. Havia uma vermelha. Também muito boa.

Com o tempo, surgiu um estilingue pronto. De borracha branca e forquilha de plástico. Diziam que era de câmara de ar de pneu do trem de pouso de avião. Nunca tive. Custava os olhos da cara. Aquela fileira de estilingues de borracha branca me fascinava. Pendurados na parede de bares e mercearias.

Hoje, meu estilingue é a câmera fotográfica. Virei fotógrafo de passarinhos. A tática de aproximação é a mesma de antigamente. Com paciência e jeito. Como diz Guimarães Rosa: “Passarinho que se debruça – o voo já está pronto!”. Ao fotografá-los, eu contribuo para que as pessoas os conheçam e os respeitem. Assim, pago um pouco do mal que lhes fiz. Matá-los, nunca mais. Viva os passarinhos!


(*) Donizete Oliveira, jornalista, historiador

(Foto: Reprodução YouTube/Leo Vigão)