O fazedor de fornos e fogões de barro

Não era qualquer barro. Tinha de ser grudento. Retirado de barrancos de beiras de córregos. Ao misturá-lo dava liga. Nos grotões mais afastados, quase sempre moravam aqueles sujeitos que sabiam fazer forno e fogão de tijolos e barro. Uma arte. Tanto o acabamento quanto o jeito de fazer. Para o forno esquentar. Tinha posição do vento e mais alguns segredos.

O Bastião Polaina era mestre em fazer forno e fogão de tijolos e barro. Ele construiu diversos nas redondezas. Trabalhava na lavoura. Nos fins de semana e feriados se dedicava à arte. Ele vestia duas polainas encardidas. Pelo jeito nunca viram água. Mesmo no calor, não abandonava a vestimenta. Daí o apelido.

Na roça, a gente sempre tinha o forno de tijolos e barro. Num canto do terreiro. Usado para assar pães, broas e biscoitos. Nos fins de ano, carne. Minha mãe o enchia de lenha para esquentar. Após um tempo, ela varria e colocava dentro uma folha de bananeira. Para verificar a quentura. As massas tinham estar prontas. Dali para frente, a temperatura só baixava. Ao varrê-lo, ela usava vassoura de uma erva que não lembro o nome, cujo aroma se misturava aos assados.

Um vizinho nosso caçava lagarto para comer. Os teiús, enormes. Ele levava os bichos mortos para casa. A mulher dele os assava no forno. O pai não gostava que a gente comesse lagarto. Dizia que não era apropriado para alimentação. Mas o vizinho garantia que era carne ótima. Igual frango. Afirmava.

Às vezes, acontecia incidentes. Uma vizinha, inexperiente com os assados no forno, queimou uma leitoa. Eu brincava com a molecada num pasto próximo da casa dela. A gente sentiu aquele cheiro de queimado. Saiu um canudo de fumaça por um buraquinho no teto no forno. O escape. Perdeu o assado. A leitoa ficou torrada. Grudou na fôrma.

Em casa, o usual era assar pão. Minha mãe sempre fazia. Os pães dela ficavam mais brancos. Não tão morenos como estes da foto que ilustra este texto. Mas eram saborosos. Feitos com fermento líquido. Biológico. Pão caseiro no café da manhã e da tarde. O caboclo ganhava sustento para puxar o cabo do guatambu. Eito ia; eito vinha. Sem esmorecer.

Fazer forno tinha um ritual. Primeiro era o assento da estrutura. De madeira bruta. Em seguida, os arcos de tijolos. Ao barro, Bastião misturava estrume de gado e açúcar. Para dar consistência à massa. Dizia. No acabamento, usava cinza. Nunca se ouviu dizer que um forno feito por ele dera embaraço. A mulherada sempre aprovava.

Ele só não sabia cobrar. Perdia sábados, domingos e feriados em troca de uma mixaria. Naquele tempo, a pinga era uma espécie de moeda corrente. Uma garrafa o deixava alegre. Mas na feitura do forno Bastião não bebia. Só depois que terminava. Às vezes, até acompanhado de carne assada ali mesmo para inaugurá-lo. Fogão, ele também fazia. Não com a mesma frequência. O processo era quase o mesmo.

Uma propaganda no rádio. Estavam lançando o tal fogão econômico. Muita gente da roça comprou. Meu pai e meu irmão também. Um fogão de lata com chapa de ferro. Pior viagem, como se dizia por lá. Minha mãe e minha cunhada não se adaptaram à novidade. Diziam que o fogo demorava a pegar. Atrasava a comida. Eles trocaram os fogões por uma porca e 12 leitões. As mulheres voltaram ao velho e bom fogão de tijolos e barro. Movido com lenha rachada no terreiro.


(*) Donizete Oliveira, jornalista e historiador.

(Foto ilustrativa: Evanildo Silva/Eu Moro na roça, Facebook)