Raleia, mas não acaba

A decisão do título do campeonato mundial de clubes de futebol, com a presença de um dos maiores times do País mostrou como o fanatismo exagerado tem o poder de transformar certas pessoas, especialmente as mais comumente sugestionáveis. O festival de bizarrices foi noticiado pela imprensa, que mostrou as imbecilidades cometidas por cidadãos completamente desequilibrados emocionalmente, por conta da derrota do time do coração. Nesse caso específico, apesar de absolutamente todos os que torciam por aquela agremiação esportiva terem plena consciência de que só existiam duas possibilidades factíveis ao final da peleja, os cinquenta por cento de chance de derrota parecem não ter acalmado os ânimos dos mais exaltados. De infarto do miocárdio a agressões a menor de idade, brigas generalizadas, tiros e desavenças de todo tipo fizeram parte do rol da ressaca verde.

Desde há muito, o fanatismo se mostra enraizado em todos os segmentos da sociedade. Passando por sincretismos religiosos, músicas e tatuagens extravagantes, costumes excêntricos, chegando até aos estádios de futebol. Aqui se abre um parêntese necessário, diante das ocorrências graves provocadas ou estimuladas pelo resultado daquele jogo de futebol na capital dos Emirados Árabes Unidos. Com tantos problemas a afligir a nação brasileira como o desemprego, a inflação e a pandemia, ainda temos os fanáticos insensatos a despejar suas frustrações diárias no resultado adverso de uma mera decisão de campeonato. Sem raciocinar, por um segundo sequer, que outras decisões certamente virão num futuro próximo. Ou que a derrota indubitavelmente faz parte de qualquer evento desportivo em que exista um adversário a ser superado. Diante de cenas lamentáveis, vinculadas diretamente àquela disputa internacional, pode-se concluir que os ânimos estão por demais exaltados. E que as pessoas perderam completamente o respeito ao próximo, no momento em que opiniões divergentes são confrontadas de forma absolutamente irracional, instigada por motivos banais.

Diante dessas reprováveis demonstrações explícitas de animosidades, totalmente desprovidas de quaisquer resquícios de razão, se por aqui ainda estivesse o saudoso amigo Nelsinho Gambá, com toda a propriedade vaticinaria os últimos acontecimentos com sua precisão sempre requintada, fruto da experiência adquirida ao longo de seus 82 anos: “tonto raleia, mas não acaba nunca…”.


José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR.

(Foto: Tom Fisk)