A orquestra das cigarras
Os raios de sol reverberam nos cristais. Os terrenos pedregosos da roça tinham cristais brancos. Alguns reluziam com o sol. A gente andava com chapéus de palha. De aba larga. Iguais os mexicanos. O pai comprava na venda do Jordino. Perto do Leão do Norte, rodovia BR-376. Sentido Curitiba. Entrada de Marilândia do Sul.
Naquele tempo, o movimento era pacato. Uma Brasília, um Fusca, um Jipe, um caminhão FNM, uma Jamanta. O povo chamava carreta de Jamanta. Não faltavam cavaleiros e carroceiros, disputando com os carros o espaço da rodovia.
Sol de estalar mamona. No meio do café, uma sinfonia. Uma começava lá; outra aqui; uma ali na frente. De repente, o canto se fundia. A gente saía correndo, tentando achar a cigarra. Olhava, olhava e nada. O bichinho se confundia com a vegetação. Meu cunhado gostava de pegar com o chapéu. Batia o chapéu em cima. Que felicidade! A gente ganhava uma cigarra. Eu juntava várias numa caixinha de sapato.
Os machos emitem o som tentando atrair as fêmeas. Naquele tempo, a gente não sabia. Não sabia também que as fêmeas põem os ovos em troncos de árvores e morrem em seguida. As chamadas ninfas saem dos ovos e caem no solo. Ao penetrá-lo ficam por lá até alguns anos, sugando seivas das raízes das árvores. Aí voltam à superfície e vão morar nas árvores. Tempo de cantoria.
Entre a Primavera e o Verão. De manhã e no fim da tarde, a orquestra das cigarras. Meu pai, meus irmãos e meu cunhado iam à roça. Enxadas nas costas, moringas penduradas. Mais um dia de labuta. A cantoria das cigarras quebrava a rotina. Ao cair da tarde, o zumbido se repetia. Com o silêncio da roça, uma gravação ficaria perfeita.
Minha mãe não gostava. Nostálgica, aquele canto a entristecia. Afirmava que fazia lembrar os pais dela, que viveram no interior do Estado de São Paulo. Vez ou outra, eu a via chorando com o cantar das cigarras. Recordando os pais que morreram e a deixaram menina, na roça.
Meu pai, íntimo da natureza, dizia que a tonalidade do som das cigarras alterava conforme o tempo. “Hoje, elas estão pausadas, não vai chover”, profetizava; em outro dia: “as cigarras estão agitadas, levem a lona, mais tarde vai bater água”, alertava ele, pitando um cigarro de palha e ordenhando as vacas.
Em noite de lua cheia, a cantoria continuava. O tom parecia mais fino. Dizem que é por causa da claridade. Imaginavam que o dia seguia pela noite. Competiam com os grilos e os sapos. A gente ia aos terços rezados nas casas. Na volta, a melodia das cigarras saudava a lua prateada. Como diz a canção, clareando a estrada.
(*) Donizete Oliveira, jornalista e historiador
(Foto: Egor Kamelev)