Prazer, meu nome é Árvore!, uma instituição de Maringá

Depois de mais um pé de vento, com suas rajadas solapantes, Maringá outra vez reviveu o seu drama de terror já crônico da queda de árvores. Como sempre, ruas e avenidas foram obstruídas por grandes galhos e troncos, postes de energia quebrados e fios rotos de alta tensão espalhados, calçadas, muros, telhados e casas danificados, veículos amassetados por caules feitos cambaus, e a consequente falta de energia, água, celular e internet que deixa qualquer maringaense com os nervos à flor da pele. Aliás, nesse contexto caótico, uma histeria coletiva difunde-se rapidamente pela cidade afetando o moral e bom humor do povo, alcançando o paroxismo quando o comércio e serviços são atingidos em cheio. Uma guerra insana então é declarada e instilada abertamente contra as árvores! Culpam-nas como bode expiatório da calamidade da vida pública e privada. Contudo, faço-me em face desse disparate acusatório o defensor e sindicalista do arvoredo maringaense. Mas para isso, já passado a tormenta e a cidade consertada e normalizada, é preciso que os “advogados do diabo”, ou seja, aqueles que defenestram imoralmente as árvores, estejam mais calmos e menos passionais. Logo, coloquemos em seguida em dois pratos os prós e os contras no que diz respeito à ré, e vejamos para que lado pende o fiel da balança. Assim, imediatamente, não é difícil perceber que as vantagens que nossas amigas clorofiladas propiciam sobrepujam em muito os seus eventuais prejuízos. Não que eu negue o prejuízo material, econômico e social, mas esse quadro ao longo do ano configura-se pontual e fortuito. Já as benesses proporcionadas pelas nossas irmãs na natureza durante o ano todo são muitas e variadas. Sombras, paisagismo, beleza, espaço para passeios, recreação e lazer, oxigenação da atmosfera e regulação do clima e temperatura num nível ameno e agradável. E isso tudo sem falar na memória afetiva das pessoas que vai desde brincadeiras da infância debaixo duma árvore e ao prazer da degustação de um de seus frutos, das histórias do vovô à sua sombra, até à doce recordação de beijos apaixonados dos enamorados sob sua frondosa proteção e à deferência coletiva em relação à mística atemporal de uma velha e portentosa mangueira, ipê, sumaúma, paineira ou ingazeiro dos começos da história de uma gente, povo, cidade.
Isto posto, cabe a nós maringaenses render tributos aos pioneiros de nossa cidade, à todos aqueles que plantaram tâmaras! Para quem não sabe, plantar tâmaras é o gesto mais sublime e altruísta de quem pela finitude da vida não poderia usufruir dos frutos, haja vista a tamareira demorar uma vida humana inteira para frutificar, mas que mesmo assim as planta para as gerações vindouras. Nesse sentido, sem esse cultivo desinteressado e amoroso, ninguém em lugar e tempo algum comeria tâmaras, porque pensando somente no seu próprio desfrute, por puro egoísmo abdicaria de plantá-las. É assim, portanto, que hoje em Maringá as colhemos (obviamente nossas tâmaras são outras), isto é, usufruímos do bem-estar proporcionado pelas nossas árvores, bosques, hortos e flora em geral, simplesmente porque tivemos no passado e primórdios de nosso povo pessoas visionárias plantadoras e amantes de “tâmaras”, cujo legado tão belo, salutar e magnânimo colocou a Maringá de hoje como sendo reconhecida “Cidade Árvore do Mundo” pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e pela Fundação Arbor Day. Nossa cidade agora coleciona além do orgulhoso título de “Cidade Verde”, também mais esse título, de tal sorte atribuído à apenas cinco cidades da América do Sul.
Portanto, continuemos nossa sina de cultivadores de tâmaras, incumbência essa a ser cumprida principalmente por todo e quaisquer prefeitos de nossa cidade. Aliás, o atual prefeito Ulisses Maia vem cumprindo com louvor e desvelo nossa mística, dado que o supracitado título auferido de “Cidade Árvore do Mundo” concedido pela ONU, foi conquistado na sua gestão. Tanto é assim que, as podas, remanejamentos, tratamentos, remoções e plantios foram ampliados e otimizados.
As árvores, ipso facto, é uma instituição maringaense, faz parte do DNA, da gênese de nossa cidade. Faz parte de nossa identidade cultural. A propósito, até o nome de batismo da nossa terra enseja, reitera e auspicia o que somos: uma harmonia e simbiose de humanos e árvores, “Maria do Ingá”. E, além do mais, não nos esqueçamos que foi mediante a uma pequena árvore, a do café, que Maringá engendrou sua força e vitalidade econômica, política e social. Culturalmente nascemos e somos filhos do café!
Contudo, como resolver nosso grande imbróglio e dilema, isto é, a coabitação de postes e árvores, fios elétricos e galhos? A solução, a mais razoável e plausível possível, é a que aponta o olhar não para o alto, mas sim para baixo. Com efeito, a saída está no rebaixamento da rede de energia elétrica ao nível subterrâneo, como já acontece em algumas cidades brasileiras. No entanto, o custo é alto e demanda um tempo de médio e longo prazos de concretização, porém é inadiável e premente tal empreendimento, nem que seja gradualmente por etapas. Não dá mais para fazer ouvidos moucos e vistas grossas a esse problema que se agravou nos últimos tempos e que afeta a harmonia social entre homens e árvores.
Por conseguinte, na nossa “Cidade Canção”, na composição atualizada dos seus versos e estrofes, a melodia e música que nos embala traz: o verde, a modernidade, a sustentabilidade, árvores e flores, ciência e tecnologia, a diversidade cultural, a vida metropolitana, a tradição e o progresso, a arte e o esporte, a moda, a culinária e o turismo, a religiosidade do nosso povo e nossas igrejas, o comércio e indústria, a ecologia, o provinciano e o cosmopolitano, a conjugação do passado, do presente e do futuro juntos, entre outras coisas mais. Desse modo, seguindo sua canção, nossa querida Maringá tornou-se referência nacional de qualidade de vida, e a sustentabilidade, o verde, o ecologismo e a diversidade cultural que ela congrega vêm nos colocando na vanguarda dos novos tempos. E isso tudo, esse porvir alvissareiro e prodigioso, advém das graças dadivosas das nossas estimadas e amigas árvores, uma instituição genética de Maringá!
(*) Dancler da Silva Freitas é professor de Sociologia em Maringá