Certos fundadores: quanta humildade!

Militão Bento França e Lupércio Caressato, da Imobiliária Santa Fé

Era o ano de 1941. O mundo estava em guerra, mas no verde das matas do norte do Paraná, tudo respirava a silêncio e paz. Um estranho aventureiro recém-chegado à terra roxa paranaense, mas que viera de Arraias, norte de Goiás, hoje Tocantins e que mais tarde seria o meu pai, bateu à porta de um rancho com paredes de troncos de palmito e coberto de sapé, num futuro cafezal que substituiria as árvores derrubadas a foice e ao machado.

Uma adolescente de 14 anos idade  gritou do interior do rancho:

– Quem é?

– Eu queria falar com o senhor seu pai.

– Tá na roça. Pera aí que já vou conversar com o senhor – prontificou- se a menina, depois de examinar o forasteiro por uma janela.

– Bom dia, mocinha. Qual é a sua graça?

– Maria. Se for por inteiro: Maria Gonçalves da Silva. E a graça do moço ?

– Militão, seu criado. Por inteiro: Militão Bento França.

– Espere só um instantinho. Vou levar o de comer pra roça. Meu pai e a minha mãe enfrentam o trabalho pesado E já volto com o meu pai.

– Então eu vou com você até ele. Mas se você pudesse repartir comigo um cadinho da comida…

A moça compadeceu- se do rapaz. Ele insistiu:

– É só um prato de comida a um boiadeiro que veio de longe: lá do sertão de Goiás. Já estou sem a carne seca, a farinha e a rapadura, que a minha mãe me havia preparado em grande quantidade na hora do adeus.

A menina pensou. Se fosse dinheiro era difícil de arrumar, mas negar um prato de comida é coisa que o pai mineiro de São Sebastião do Paraíso ensinou a nunca negar.

– Se o moço esperar um pouquinho só, garanto que não haverá de lhe faltar o arroz com feijão , tudo com um pouquinho de couve, farinha de milho e molho de frango que a minha mãe me ensinou a fazer, bem do jeitinho das Gerais.

O goiano abaixou a cabeça envergonhado, por sentir- se faminto e obrigado a pedir o alimento.

– Espere mais pouco, que vou lhe fritar um ovo. Sua carinha é de muita fome.

Ao avistarem os dois o mineiro José,  pai de Maria, o entendimento foi rápido. O que valia mesmo era a palavra empenhada, o fio de bigode O goiano trabalharia na empreita de três anos acertada pelo mineiro com o dono da terra. José era um roceiro  migrante que sonhava com o próprio pedaço de chão e garantir a fartura para a família.

Ao completar dezesseis anos, veio o casamento de Maria com o goiano. José comprou o pedaço de chão no Vale do Ivaí. Já o Militão preferiu fazer- se corretor a serviço da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. O valor das matas era pequeno de tal forma, que às vezes serviam como parte da comissão paga aos corretores que assim o desejassem. O meu pai aliou- se a um sócio também corretor, Lupércio Caressato e os dois foram somando porções cada vez maiores de florestas nas proximidades do rio Bandeirantes do Norte, constituíram a Imobiliária Santa Fé e promoveram o loteamento das propriedades rurais e urbanas que, no após- guerra, deram origem à pequenina, mas graciosa cidade de Santa Fé do Paraná.

Santa Fé, em minha vida,
Não me esquecerei de ti.
Oh Santa Fé, oh minha terra querida,
Foi num rancho que eu nasci.


(*) José Tadeu  Bento França – professor universitário, vereador em Maringá, deputado estadual, deputado federal constituinte e o primeiro secretário de Estado do Meio  Ambiente do Paraná

Foto: Santa Fé Antiga/Facebook