Vida e morte de um Severino

O telefone de fulano? De sicrano? De beltrano? Tem uma encomenda aqui pra você! Fulano quer falar contigo, pediu para você telefonar para ele. Fulano? Faz tempo que ele não passa por aqui… era uma espécie de ponto de referência naquele pedaço quase na esquina da Avenida Getúlio Vargas e rua Santos Dumont. Muitos maringaenses sabem que se trata de Baianinho Engraxate.
Mas não era conhecido apenas em Maringá.
Um dia eu estava em Araçatuba (SP), tomando um café com uma colega numa padaria. Um cidadão da mesa ao lado ouviu eu dizer que era de Maringá e me disse: “Visitei sua cidade e engraxei meus sapatos com o Baianinho, aquele que fica numa avenida central”. Como ele, tantos outros anônimos e famosos. Ele expunha um banner na parede com as fotos. De Álvaro Dias a Paulo Maluf, políticos, artistas e personalidades conhecidas que visitaram Maringá experimentaram o lustre do pano e da escova conduzido pelas mãos hábeis do Baianinho.
Nascido em 14 de março de 1952, ele chegou a Maringá com dez anos. Em Jacobina, a 340 quilômetros de Salvador, sofria com a família o impacto da seca que agravava a miséria no sertão nordestino. Muita gente nos caminhões pau-de-arara fugia rumo ao Sul e Sudeste, em busca de trabalho para pôr fim à vida miserável que levava. As pessoas falavam com frequência naquele lugar maravilhoso sem fome e miséria para o qual estavam dispostas a ir.
O menino Xavier ouvia as histórias. Naquele tempo o tratavam pelo sobrenome, se chamava José Xavier. De tanto ouvir falar das maravilhas sulinas, ele não teve dúvidas: disfarçou-se no meio das crianças que embarcavam com os pais em um dos caminhões paus-de-arara rumo ao Paraná. “Eu não sabia para que lugar estava indo, queria apenas fugir de lá”, disse em entrevista a este repórter.
Após alguns dias de viagem, as famílias chegaram a Maringá, onde notaram que aquele menino franzino não era filho de nenhum dos casais que vieram no pau-de-arara. Naquela época, as viagens eram difíceis. Não o levaram de volta, e ele foi morar com uma família de conterrâneos. Sem o que fazer, arrumou uma caixinha de madeira e foi engraxar sapatos na Avenida Getúlio Vargas, em frente o antigo Bar Columbia, que já não pertencia ao ex-prefeito Américo Dias Ferraz. “Eu ganhava um dinheirinho e comes e bebes”, contou. “Nos davam salgado, paçoquinha, pé-de-moleque, refrigerante ou picolé, a gente não passava fome”.
Xavier deixou a caixinha e instalou uma maior num ponto fixo da Avenida Getúlio Vargas. Com o passar dos anos, mudou de lugar, mas permaneceu ali e ganhou o apelido de “Baianinho Engraxate”, como a maioria o conhecia. As engraxadas de sapatos o sustentaram e permitiu que criasse seus sete filhos. “Não fiquei rico, mas não posso reclamar, nunca faltou nada na minha família”, dizia ele, que engraxava há cerca de 60 anos no local.
Em 2017, a Câmara de Vereadores de Maringá o homenageou com o título de Cidadão Benemérito. Um dos seus filhos o encontrou morto em casa na madrugada de 11 de novembro. A causa da morte não foi divulgada. Vida e morte que lembram os versos de João Cabral de Melo Neto: “O meu nome é Severino, / não tenho outro de pia. / Como há muitos Severinos”…
Texto e foto: Donizete Oliveira, jornalista e historiador
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