João Tenório Cavalcante, ao contrário do seu xará, alagoano, que viveu no Rio de Janeiro e ganhou fama de justiceiro, era um empreiteiro maringaense que trabalhava com mais de mil peões na derrubada de mato e plantio de café e cereais no norte e noroeste do estado
A sucessão de batidas se assemelhava a um tiroteio. O som era produzido pelas machadadas. Centenas de homens derrubavam árvores. O “exército” de João Tenório Cavalcante em ação. Alguns o consideram o primeiro grande empresário de Maringá. Jorge Ferreira Duque Estrada, em seu livro “Terra crua”, diz que Tenório comandava 800 homens. Mas quem acompanha a história de Maringá, como o empresário Ênio Ferreira Lopes, filho do pioneiro Laércio Nickel Ferreira Lopes, garante que passavam de mil.
Natalício Tenório Cavalcante de Albuquerque nasceu em Palmeira dos Índios (AL), em 1906, e morreu em 1987. O “Homem da Capa Preta” como ficara conhecido se transformou num mito. Carregava a tiracolo uma submetralhadora alemã, modelo MP-40, apelidada de Lurdinha. A fama de justiceiro o imortalizou no cinema e na literatura.
O João Tenório Cavalcante, de Maringá, no lugar da metralhadora, carregava um machado. Era um sujeito da lida, que se transformou num dos maiores desbravadores do norte e noroeste do Paraná. Dele, Duque Estrada escreveu: “Dirigia uma turma que chegou a integrar 800 homens – um verdadeiro exército de machadeiros – que liquidou o maior perobal do mundo, reduzindo grande parte a cinzas, nas queimadas que somavam léguas”.
Segundo o escritor, no meio do ano, a fumaça produzia uma “bruma seca” que dificultava os voos de teco-teco, comuns naquela época. No rastro de Tenório e seus homens centenas de empreiteiros punham fogo nas árvores derrubadas. Aproveitavam a madeira e preparavam o terreno para o plantio de café e cereais. Duque Estrada diz que “dava pena a chacina de gigantescos troncos, com séculos de existência, deitados inermes sobre a terra, com as entranhas a fervilhar em fogo”.
Pau-marfim, cedro, figueira, pau-d’alho, jaracatiá e muita peroba-rosa tombavam. Após a derrubada, os empreiteiros contratavam outro batalhão de homens para fazer as covas e o plantio do café. A peonada se acomodava em ranchos de palmitos, dormia em rede ou estrado de madeira em meio a um enxame de mosquitos. Duque Estrada conta que alguns se sucumbiam à picada de jararacas, cascáveis ou urutus. Morriam com a queda de algum galho na cabeça ou na ponta de uma faca resultado de um entrevero por um pedaço de fumo.
Após a derrubada, a queimada e o plantio do café, chegavam os colonos, que construíam casas de madeira. Em meio ao cafezal, eles plantavam feijão, arroz e milho. Criavam porcos, aves, cavalos, burros e mulas. Enquanto a colheita não chegava, recorriam ao fornecedor, dono de uma casa de secos e molhados. Em Maringá, havia as de Napoleão Moreira da Silva e Ângelo Planas.
Não se sabe muito do João Tenório Cavalcante maringaense. Pernambucano, casado, tinha seis filhos, ele chegou a Maringá na década de 1940. Nascido em Bom Conselho, a 282 quilômetros do Recife, foi um dos muitos que se aventuraram para o norte do Paraná. Em entrevista à RT, em 2017, o pioneiro Hélio Colicchio contou que Tenório fora um grande empreiteiro. “Na maioria das vezes, ele recebia fazendas de mata virgem e entregava ao proprietário com o café plantado”, declarou.
Dizem que Tenório plantou mais de 20 milhões de pés de café no norte e noroeste do Paraná. Lauro Fernandes Moreira, outro pioneiro que o conheceu, disse à RT que a fama de “cumpridor de compromisso” ajudava o pernambucano a fechar grandes empreitadas. “Era um sujeito acessível, de bom humor, que sabia lidar com os peões, o que lhe permitia entregar o serviço no prazo combinado”, afirmou.
Para Moreira, naquele tempo, a diplomacia ao lidar com as pessoas fazia diferença. A maioria dos peões vivia do trabalho, portanto, eram pessoas rústicas, que podiam arrumar uma encrenca por qualquer coisa. Tenório os tratava com respeito e cumpria o que prometia. “Era gente que trabalhava num dia para comer outro, portanto, não podia ficar receber”, conta. O pernambucano pagava sempre no dia combinado.
Ao chegar a Maringá, Tenório comprou um hotel no Maringá Velho. Mas o comércio não era seu forte. Logo se desfez do negócio e começou a contratar empreitadas de mato para derrubar. Abriu fazendas em Maringá, nos arredores de Nova Esperança e Paranavaí. Ele tinha um caminhão e alugava outros para levar os contratados aos locais de trabalho.
A maior parte das provisões para as empreitadas, Tenório comprava na Casa Napoleão. Raphael Colicchio, pai de Hélio Colicchio, e Napoleão Moreira da Silva eram donos do comércio. O filho, que trabalhava no balcão, disse à RT que a cada compra saía um caminhão abarrotado de mercadoria. Sacos de jabá, arroz, feijão, caixas de leite moça, machados, foices e trançadores. As mercadorias para alimentar centenas de homens seguiam para os acampamentos.
Com o passar dos anos, Raphael comprou a parte de Napoleão na sociedade do armazém de secos e molhados. À RT, Hélio contou que Tenório fazia do local uma espécie de escritório. A peonada chegava a Maringá à procura trabalho. Muitos iam lá, combinavam com ele e recebiam uma foice e um machado. No outro dia, pela manhã, subiam no caminhão e seguiam para derrubar mais uma mata.
Hélio contou que o bom humor lhe era peculiar. Nos momentos em que se reunia com os empregados para tomar cachaça, ele inventava alguma brincadeira. O pioneiro lembrou que num dia chuvoso, no Maringá Velho, havia um peão bem trajado, que ia à zona de prostituição. Tenório o chamou do outro lado da rua tomada de lama. O peão não quis ir, receoso de sujar a roupa. Ele foi buscá-lo. Colocou-o nas costas e, no meio da rua, soltou-o. O peão caiu de bunda no barro. “Quem viu se rachou de rir, mas o peão entendeu a brincadeira”, recordou.
Nos fins de semana, o lazer dos peões era pescar no Rio Ivaí. Eles partiam de Maringá e armavam barracas na beira do rio, onde havia peixe em abundância. “Uma vez fui junto, e fisgaram dourados, curimbatás e pintados”, acrescentou Moreira. Eles traziam um tanto de peixes e outra quantia era assada e consumida por lá mesmo, regada a cachaça.
Construção de edifício – A aventura de Tenório não se restringiu à derrubada de mato. Em Maringá, ele construiu, na década de 1950, o Edifício João Tenório Cavalcante, na esquina das Avenidas Duque de Caxias com 15 de Novembro. Na época, um dos mais modernos do Paraná. No local, funcionaram a Câmara Municipal, a Associação Comercial e Empresarial de Maringá (Acim) e a Biblioteca Municipal. Há alguns anos, o edifício foi reformado, modificando a estrutura e a fachada antigas.
De Maringá, Tenório mudou-se para Londrina, onde morreu. O site Maringá Histórica diz que “João Tenório Cavalcante, ainda pouco estudado, é um personagem conhecido por comandar as maiores derrubadas de mata pelo norte do Paraná. Suas passagens por Maringá se deram ao longo das décadas de 1940 e 1950. Pobre, acabou se transformando em um homem de negócio, detentor de grandes posses no norte do estado”.
Fotos: Donizete Oliveira/Museu da Bacia do Paraná/Gerência do Patrimônio Histórico