A coragem é relativa

Diante da situação caótica, o instinto natural sempre se sobressai

O tempo abafado, o vento soprando quente, o sol inclemente judiando do cocuruto. As nuvens escuras no horizonte indicavam que o fim de tarde seria contemplado com surpresas desagradáveis. E a previsão infelizmente se confirmou.

No início, um chuvisco ralo pediu passagem. Em seguida alguns trovões persistentes mostraram que as coisas seriam mais graves do que se imaginava. Logo a natureza se mostrou com toda sua opulência, trazendo muito mais do que a umidade desejada. As primeiras rajadas de vento atingiram as árvores, quebrando galhos e derrubando aquelas que teimavam em afrontar a fúria insana do furacão. A calmaria repentina e temporária foi o prenúncio da tragédia anunciada. Como a desafiar a coragem dos menos sensíveis aos eventos climáticos adversos, o segundo tempo chegou elevando ao máximo a adrenalina.

A construção simples, com paredes em alvenaria, coberta com telhas de fibrocimento e forro em PVC não foi páreo para o poder descomunal da ventania, cuja velocidade superou com folga a marca dos três dígitos. Logo a cobertura se foi para bem longe, espalhando detritos de toda espécie. Pedaços de vigas e caibros com pregos, pontas de telhas, vidros quebrados e uma infinidade de objetos pontiagudos ameaçavam a família indefesa, encolhida no canto da casa. Felizmente, a integridade física dos aterrorizados moradores foi preservada, assim como uma generosa dose de boa vontade para organizar a bagunça deixada pelo fenômeno natural.

No filme “Gladiador” o general Maximus, transformado em escravo e obrigado a lutar para sobreviver, proferiu uma frase que retrata a essência dos episódios que colocam em risco a vida das pessoas: “quando a morte sorrir para você, sorria de volta…”. Guardadas as devidas proporções de circunstâncias e periculosidade e ainda considerando o necessário lirismo empregado nas produções cinematográficas, poder-se-ia com toda a propriedade afirmar que absolutamente nenhum vivente submetido a algum tipo de situação como uma tormenta teria condições de sorrir nos momentos de tensão. Isso leva à conclusão de que coragem é apenas a ausência momentânea do medo, sentimento inato nos animais e que tem a função de autodefesa. Pois essa foi exatamente a sensação que acometeu aqueles atingidos pelo fenômeno climático extremo, mesmo porque diante da situação caótica, o instinto natural sempre se sobressai.

Como pimenta em olho alheio é refresco, sempre haverá aqueles que consideram as declarações dos assustados vitimados exageradas, porque as reações de cada indivíduo ante o perigo incerto e iminente são completamente distintas.

Mas o que importa mesmo é a preservação da vida e nesse caso específico, restaram os danos materiais que serão gradativamente recuperados. Vão-se os anéis, ficam os dedos. E os temores, porque essa experiência traumática se fixa como uma marca indelével na memória. Enfim, esse é o perfil de nossa nova realidade. Ou o do novo normal, antevendo as incertezas de um futuro sombrio por conta das mudanças climáticas. Os mais céticos garantem que esse é o momento para instalação de um bunker reforçado no quintal de casa. Só por precaução.


(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR