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Sem limites

Há que se ter critérios relativos ao tempo de utilização, porque existe vida fora de um aparelho celular

As evidências estão por toda parte e a tendência parece ter sido definitivamente incorporada ao cotidiano das pessoas. Os indícios de que a humanidade parece ter perdido o norte verdadeiro de sua caminhada em direção à modernidade e ao desenvolvimento se materializam de forma irrefutável. Ao se curvar às tentações de um caminho desconhecido e movediço, passou a viver envolta no voluptuoso e imaginário invólucro da tecnologia digital.

A telefonia celular móvel transformou radicalmente a rotina da imensa maioria das pessoas. Do pequenino em sua ingênua e tenra idade ao experimentado idoso centenário. Todos parecem ter sido absolutamente subjugados e impiedosamente abduzidos para outra dimensão, tamanho é o estrago causado pelo uso excessivo dos ultramodernos smartphones e equipamentos similares, ininterruptamente conectados à Internet. Os hábitos de vida foram drasticamente alterados, influenciados pela companhia do inseparável e versátil, porém alienante aparelho.

Essa simbiose temerária e inescrupulosa entre homem e máquina ultrapassa todos os limites do aceitável, transformando pessoas em cópias perfeitas de robôs automatizados produzidos em série, controlados à distância por uma infinidade de redes sociais, cujos interesses são os mais questionáveis possíveis.

Os resultados dessa lastimável história são dramáticos. As pessoas passaram a apresentar distúrbios de relacionamento, tornaram-se improdutivas, ansiosas, irrequietas, impacientes e tantos outros sinônimos análogos quanto maior for o grau dependência. A conectividade irrestrita permite o acesso precoce de crianças e jovens a conteúdos inadequados para a idade, com estímulos perversos principalmente durante o período de consolidação do caráter, além de restringir e dificultar uma saudável e necessária interação social. Os efeitos danosos ao organismo incluem o comprometimento da visão e da postura, além de outras moléstias correlatas. A tela multicolorida, viciante por natureza, tem o poder de literalmente desligar o usuário do mundo a sua volta.

Nos veículos estacionados, nos estabelecimentos comerciais, nos prédios públicos, nos restaurantes e similares, nas calçadas e ruas movimentadas, nos bancos das praças, absolutamente em qualquer lugar as pessoas estão a manusear freneticamente aquele elemento que sem sombra de dúvidas, se tornará o mal do século 21. E para inflamar ainda mais o setor de tecnologia, os desenvolvedores de programas conceberam a chamada inteligência artificial, um sistema que simula o improviso instantâneo do intelecto humano, supostamente com o intuito de promover facilidades para os usuários.

Os limites são ultrapassados continuamente no momento em que condutores ignoram a legislação pertinente ao manipular o telefone celular ao volante, inclusive motociclistas, elevando consideravelmente o risco de acidentes. Pedestres estão mais propensos a se envolverem em ocorrências no trânsito quando distraídos com a bugiganga tecnológica. Os poderes constituídos pouco ou nada fazem para mudar ou pelo menos amenizar a situação atual. Na contramão da tendência mundial, alguns países europeus resolveram implantar medidas efetivas nas instituições de ensino para tentar reverter a onda avassaladora da dependência psicológica por conectividade em atividades educacionais.

Os benefícios proporcionados pela tecnologia são inquestionáveis e já não se pode mais viver sem ela. No entanto, há que se ter discernimento suficiente para o estabelecimento de critérios rígidos relativos ao tempo de utilização, porque existe vida fora de um aparelho celular. E a realidade é bem diferente daquela apresentada pelas telas coloridas. Estamos na corda bamba. Ou tomamos juízo, ou sucumbimos definitivamente às tentações nocivas da modernidade. A escolha deve ser acompanhada por uma generosa dose de bom senso. Antes que seja tarde demais.


(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR

Foto: Oladimeji Ajegbile

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