O que esconde a aprovação de título de utilidade pública em regime de urgência?
Em menos de 90 dias o vereador Cristian Marcos Maia da Silva, o Maninho (PDT), apresentou, e a Câmara aprovou, dois projetos que concedem título de utilidade pública a duas entidades que tratam de doenças mentais; ambas eram presididas pela mesma pessoa. Nos dois casos, estranhamente, houve requerimento de urgência especial: o projeto foi protocolizado 6 dias antes da votação e não passou pelo trâmite legal de análise das comissões. Este é o primeiro capítulo de uma série envolvendo a questão.
A primeira parte refere-se aos requerimentos de urgência especial. De acordo com o capítulo IV do regimento interno da Câmara de Maringá, a urgência “é a dispensa de exigências regimentais” e só deve ser proposta “para matérias que, examinadas objetivamente, demonstrem necessidade premente de aprovação, resultando em grave prejuízo a falta de sua deliberação imediata” – ou seja, não é o caso de concessão de títulos, inclusive de utilidade pública, que, aprovado, dá direito à entidade escolhida privilégios como ter acesso a recursos públicos.
Em 3 de maio deste ano Maninho, que é empresário do setor frigorífico, apresentou o projeto nº 16.683, declarando de utilidade pública a Associação de Apoio ao Adolescente e Família Filadélfia. A Asafil originalmente é de Paranavaí, onde existe há quase duas décadas e no início deste ano mudou o endereço para Maringá e também a presidência, quando o psicanalista paranavaiense Osésa Rodrigues foi substituído por Nicholas Paim Falias, que de acordo com a Receita Federal teve ou tem sete empresas, sendo três ativas e quatro inaptas ou baixadas, inclusive em Goiás, e costuma se apresentar como tendo contatos com políticos em níveis nacional, estadual e municipal.
Foi Paim quem teria solicitado o título a Maninho. Poucas semanas depois Paim renunciou à presidência, pressionado pela entidade, por não tomar decisões colegiadas, ou seja, por não comunicar à diretoria os seus atos em relação à Asafil. Hoje, de acordo com a Receita Federal, a entidade voltou a ter endereço em Paranavaí, onde tem projetos de atendimento a famílias, mas ela também manteria um endereço administrativo em Maringá. Ainda de acordo com a RF, Osésa Rodrigues, que havia deixado o cargo em janeiro, voltou a presidir a associação.
Passados 86 dias foi à votação, também sob a alegação de urgência especial (o que não foi contestado por nenhum vereador), outro projeto de declaração de utilidade pública. No dia 27 de julho outro projeto (o de nº 16.753)foi apresentado por Cristian do PDT e votado e aprovado seis dias depois, durante sessão ordinária. Desta vez, o projeto dava o título para a Maranatha Associação Brasileira de Reabilitação de Dependentes Químicos e Doentes Mentais, entidade presidida pelo mesmo Nicholas Paim Falias. Até maio/junho a entidade, que ficou desativada por mais uma década, era comandada por Edson Hass, atualmente diretor. A concessão da utilidade pública, portando, visou a atender não entidades que realizam ações assistenciais, mas, sim, a uma pessoa que presidiu a primeira e preside a segunda.
O trâmite célere na Câmara de Maringá das duas proposições de Maninho, cuja assessoria não soube dar detalhes do trabalho realizado pela entidade nem seu endereço de atividades, teria ocorrido porque, por trás de tudo, estaria a implantação de um novo hospital psiquiátrico na cidade, já que o atual foi fechado pela atual administração há mais um ano. Detalhes serão divulgados num segundo capítulo.
Da diretoria do chamado Grupo Maranatha fazem parte ainda o procurador jurídico da Câmara de Maringá, Odacir Cristovan Fiorini Junior, que é o vice-presidente, Odinaldo Barris (2º secretário), irmão do vereador Odivaldo Barris, entre outros. Fiorini foi indicado para o cargo pelo líder do prefeito, vereador Alex Chaves (MDB). A eleição deu-se em assembleia no dia 4 de maio, ou seja, quando Paim ainda era presidente da Asafil, conforme se verifica no dia da votação. Maninho, em seu discurso, citou a presença de Nicholas Paim Falias como presidente e ainda Reinaldo Monteiro de Jesus, secretário da entidade.
Apesar do nome, o grupo não tem nenhuma relação com a igreja do mesmo nome. A Igreja Católica informou que não conhece o Grupo Maranatha e que ele não faz parte do rol de acompanhamento das entidades ligadas à dimensão sociotransformadora da Arquidiocese de Maringá.
A presença de servidor do Legislativo, responsável pelo aval jurídico ao projeto, numa entidade beneficiada com o título de utilidade pública será objeto de cobrança do presidente da casa, Mário Hossokawa (PP), que ontem afirmou que desconhecia o assunto e que iria apurar o que houve.
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