“Pensei: tenho de botar uma Maria aqui. Maria do Ingá. Cortei, deu Maringá”
Em março de 1975 o extinto jornal Panorama, do ex-governador Paulo Pimentel e que mudou a imprensa maringaense com as cores e a diagramação inovadora, trouxe a última entrevista do compositor Joubert Gontijo de Carvalho, uberabense assim como minha mãe, dona Dora. O autor de “Maringá” foi entrevistado pelo jornalista Mário Escobar de Andrade, que morreu novo, aos 46 anos, mas com o reconhecimento de ter sido um dos melhores que já passaram pela imprensa brasileira.
Parênteses: o Panorama era de Londrina, tinha na sua redação gente como Hamilton de Almeida Filho, Mylton Severiano, Délio César (foi político e pioneiro no colunismo na internet) e José Trajano, entre outros, profissionais que haviam trabalhado em revistas como a Veja e Realidade e jornais como a Folha de São Paulo e o Última Hora. Mário Escobar ficou mais conhecido por ter tornado a revista Playboy (Editora Abril) uma das maiores publicações brasileiras. Passou anos lá, como redator-chefe. Outro editor da mesma revista Playboy foi Marco Aurélio Borba, aos 40 anos de idade, e sepultado no Cemitério Municipal de Maringá, filho do saudoso Altino Borba. Leiamos agora a entrevista, incluída numa extensa reportagem de visitas a cidades que cresciam a olhos vistos (na mesma edição aparece o ex-vereador Francisco Timbó de Souza), graças a um projeto da UFPR:
A visita do compositor Joubert de Carvalho era a grande notícia dos três jornais de Maringá. Tinha ido inaugurar o posto de gasolina “Joubert de Carvalho”, sede do Touring Club, mas cm Maringá, ele já é também nome de rua e busto de bronze na praça em frente da rodoviária.
Tudo porque em 1930. no Rio de Janeiro. Joubert compôs a música “Maringá”. Doze anos mais tarde. quando os diretores da Companhia de Terras Norte do Paraná não sabiam como chamar a cidade em construção. a mulher de um deles, dona Elizabeth Thomas, sugeriu “o nome de uma canção que os trabalhadores costumavam cantar”. E assim Joubert de Carvalho entrou para a história do Norte do Paraná. embora só tenha feito a música para agradecer sua nomeação para o Instituto dos Marítimos. Ele mesmo me contou isso, durante um rápido passeio pela cidade que veio a conhecer em 1957. quando inauguraram a rua com seu nome. Nossa conversa:
– De onde surgiu a Inspiração para compor Maringá?
– Bem, a história começa num ônibus, no Rio de Janeiro, em 1930. Encontrei um amigo. Jaime Távora, que era secretário do então todo poderoso ministro José Américo. Ele me convidou para ir a uma festa de noite. dizendo que o ministro ia gostar, pois apreciava minhas músicas. Respondi brincando: ele que vá minha casa.
– E ele foi?
– No dia seguinte me telefonou, perguntando se podia ir lá em casa, com seus oficiais de gabinete. Ficamos cantando até de madrugada. Tive então a ideia de pedir para ser nomeado médico do Instituto dos Marítimos. No outro dia, o ministro me recebeu no gabinete, disse que era obrigação do governo amparar os valores das artes e me apresentou ao Alencastro Guimarães, presidente do Instituto. E fui nomeado.
– O senhor estava pensando na música?
– Não. O Rui Carneiro, hoje senador, foi quem sugeriu que eu fizesse uma música sobre o Nordeste. Ele era oficial de gabinete do ministro, que andava às voltas com problemas da seca. Naquele momento vi a música na minha frente, tocando na minha cabeça.
– E a letra?
– Perguntei ao Rui de onde era o José Américo. Ele respondeu: Areias. Não gostei. Não era musical. Perguntei então onde o Rui tinha nascido. Era em Pombal. Aí os versos foram saindo: “Antigamente uma alegria sem igual / Dominava aquela gente/ da cidade de Pombal/ Mas veio a seca/ Toda a chuva foi-se embora/ Só restando então as águas/ Dos meus olhos quando choro”.
– O resto surgiu também na hora?
– Só o nome. Pensei: tenho que botar uma Maria aqui. que vai embora, deixando um caboclo apaixonado. Mas de onde seria a Maria? Perguntei ao Rui onde a seca tinha sido mais tenaz. Ele citou vários municípios, inclusive o de Ingá. Aí pensei em Maria do Ingá. Cortei. Deu Maringá. Mal sabia eu que estava criando um nome internacional. Outro dia mesmo recebi direitos da Finlândia e do Japão.
– Quanto o senhor já ganhou com Maringá?
– Sinceramente não sei precisar. Só sei que essa canção me deu tudo na vida. Inclusive a parte mais menos – sim, escreva assim, a parte mais menos para mim, que é dinheiro. Ela deu nome a praças, ruas, vinho, manteiga, cimento. Nada se compara, no entanto, com o fato de ter dado nome a essa cidade.
– Que idade o senhor tem?
– Ah, pra que falar nisso? Vão logo dizer “que pena, tão velho”.
– Acha a velhice triste assim? – Pelo contrário. Acho a vida cada vez mais maravilhosa. Continuo exercendo a Medicina e compondo. Gosto de viajar. de vir a Maringá. Cada vez que venho aqui, me sinto renovado com o carinho dessa gente. Parece que emana da cidade uma energia de paz, de harmonia.
– Então vale a pena viver muito?
– Sim. Está certo (ri). Tenho 74 anos. Mas diga que estou bem, hem?
Foto: Marcelo/Panorama