João do Rio no churrasco de Rio Bom

Chegou o churrasco, espetado no suporte de madeira ao lado da bolsa chique. Balbuciei no ouvido do Benito: você que desce pro Paraguai, comprar bugiganga, manja: é pirata? Ele bateu o olho, refletiu uns segundos e devolveu, chacoalhando a cabeça na horizontal

Sentei. Junto dos amigos Zé Lino, Aranha e Benito, que não via fazia meses. Prosa vai, prosa vem, espeto fincado num pedaço de madeira, churrasco que chegava às mesas. Já fui à Festa do Rio Bom algumas vezes, mas desta vez me pus a assuntar. E percebi que festa em uma cidadezinha com pouco mais de três mil habitantes pode ser chique. Quase um desfile, de moda mesmo, daqueles concorridos. Mulheres de vestidos longos, botas até o joelho, joias no pescoço, na mão, maquiagem nos trinques. Homens de chapéu caubói, camisa Lacoste, calça jeans e botas de bico fino.

Mas o que mais me impressionou foram as bolsas. Comecei a contar as marcas. Dei conta, não. Muita grife. Barracas apinhadas de gente. Atendentes se virando pra aprontar mais uma mesa. Hora do almoço. Eles agarravam um pedaço redondo de madeira. Colocavam sobre um cavalete. Pronto. Mais gente acomodada. E dão lhe bolsas cujos zíperes, fivelas e logotipos ofuscavam meus olhos. Louis Vuitton, Gucci e Colcci… entre as que vi.

Saí com Benito pra ir ao banheiro do lado de fora. Numa mesa, um casal. A mulher de vestido longo laranja com uma bolsa Gucci acomodada no meio da mesa. O parceiro, alto, de chapéu branco, com jeito de pouco uso. As costeletas pretas se encontravam com a barba. Chegou o churrasco, espetado no suporte de madeira ao lado da bolsa chique. Balbuciei no ouvido do Benito: você que desce pro Paraguai, comprar bugiganga, manja: é pirata? Ele bateu o olho, refletiu uns segundos e devolveu, chacoalhando a cabeça na horizontal. Nem podia. As joias no pescoço não mentiam. Ao virar a cabeça, brilhavam.

Óculos miúdos. Hastes finas, quase invisíveis. Bebia uma água mineral; ele, um refrigerante. Pouco se falavam. Voltamos do banheiro, um sol de estalar mamonas. Benito consultou o celular, 31 graus. No palco armado do lado de fora, uma dupla cantava “Caminheiro” na levada do tal sertanejo universitário. Me lembrei de Zilo e Zalo e de Anair de Castro Tolentino, que a compôs com aqueles versos: “Por favor diga pra mãe/Zelar bem do que é meu”. Tolentino, que se foi no ano passado, deixou centenas de composições.

De volta à mesa. Outro casal despontou. Ele de chapéu de couro preto, óculos escuros, camisa polo branca, do jacarezinho, calça jeans e botas azul escuro. Ela com um vestido verde e uma bolsa Louis Vuitton. Sumiram em meio a pá de gente que chegava e saía. Dali a pouco, Zé Lino, irretocável reclamão, disse que em relação a outros anos, o espeto havia encolhido. De um fizeram dois, questionou. Retruquei. Não era hora de contenda, mas de curtir a festa que estava pra lá de boa.

Após mais algumas cervejas chamei a mulher. Me despedi dos amigos e fui dormir no banco do passageiro. Ela que não bebeu, conduziu a caminhonete. Fui embora entusiasmado, confesso. Fazia anos que não via tamanha elegância num churrasco de domingo. Para completar, só faltou um cantor, a caráter, acostumado aos acordes de uma churrascaria. Apreciei demais. Até a próxima. Cochilei no banco do passageiro com os versos do saudoso Tolentino na minha cabeça, na voz de Zilo e Zalo: “Por favor diga pra mãe/Zelar bem do que é meu”.

Nota: Texto que recebi do amigo João do Rio, professor que nasceu em Minas Gerais, viveu em Campinas (SP) e, a convite de parentes, curte sua aposentadoria numa chácara na barranca do Rio Ivaí…