Povo gaúcho, povo irmão

Sim, estamos legando aos nossos descendentes um planeta de plástico e uma multiplicidade de formas de poluição

Mesmo contando o número de mortos, desaparecidos e desabrigados, os irmãos gaúchos seguem abrindo empresas, retirando a água podre acumulada nos recantos e reiniciando o trabalho. Os prejuízos foram imensos, mas a garra por superação é maior.

A verdade é que não existe solução provisória. Diques produzidos pela metade e tardiamente mostraram- se absolutamente incapazes para conter a avalanche colossal das enchentes. Ora, se poluentes lançados ao mar prometem gerar crises sem precedentes em localidades como as cidades de Santos, Rio de Janeiro e em 10 % do litoral brasileiro até o final deste século XXI, é fácil imaginar que os leitos dos rios prosseguirão se estreitando por conta de toda sorte de poluentes de que eles se tornaram destino, desde esgoto sem tratamento, erosão do solo, pesado lixo urbano e industrial, sem levar em conta o dia-a-dia dos venenos e do plástico de que nos servimos. Sim, estamos legando aos nossos descendentes um planeta de plástico e uma multiplicidade de formas de poluição, a exemplo dos agrotóxicos em escala cada vez mais intensa, tudo isso apresentado como exigência da moderna civilização e avanço industrial por nós engendrados.

A propósito, foi no Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, que ouvi de um cientista a afirmativa de que é urgente a rotina de viagens à lua, cada vez mais vista como saída para o lixo monumental produzido pelo planeta.
Perplexo, comentei: parece-me impossível imaginar as crateras da lua, como depósito do lixo da terra.

O cientista alemão respondeu-me apenas, assegurando que o aparentemente impossível hoje, haverá de ser realidade em questão de tempo. Até lá, entretanto, existem lições importantes em que podemos nos espelhar.

No século XIV, para deter as enchentes furiosas causadas pelo Mar do Norte, os holandeses construíram gigantescos dique de 32 quilômetros de extensão em formato de anéis até hoje inspecionados de 5 a 5 anos e valeram- se de represas e comportas, subtraindo terras do mar. Parte importante do país, inclusive da capital, Amsterdã, tornaram- se terras enxutas e abaixo do nível do mar, situação que deu aos trabalhadores holandeses o reconhecimento como heróis e para o povo inteiro o chavão: “Deus criou o mundo, mas o holandês construiu a Holanda”.

São válidas as campanhas de apoio ao Rio Grande do Sul, as verbas federais e toda sorte de solidariedade, mas se não houver uma solução radical, a exemplo da assumida pelos países baixos (Holanda, Bélgica e Luxemburgo), muito mais cedo do que imaginamos estaremos assistindo a um novo quadro de um Rio Grande do Sul mais e mais afogado por enchentes mais e mais destruidoras em nome do modelo de “progresso” visto como inevitável pela “modernidade” que irresponsavelmente construímos.

Diques, represas, comportas, que tal aprendermos com a experiência da Holanda. Pode ser?


(*) Tadeu França – Professor universitário e ex-deputado federal constituinte

Foto: Divulgação/FAB