Por que não uma reforma do Congresso?

Hoje, podem faltar verbas para atender a flagelados pelas intempéries, mas não para as dezenas de bilhões repassados para o “forte legislativo” montado para eleger os de sempre e que a todos nós tanto envergonha

Quando eu chegava à Câmara dos Deputados em Brasília, para atender à missão de participar da elaboração da Constituição Cidadã, ainda no térreo do Anexo IV, deparei com imenso cartaz de boas vindas, anunciando: “Norte, Nordeste e Centro-Oeste somos a maioria: 292 constituintes”.

Em pensamentos, refiz os cálculos: são eles de fato a maioria. Mas o número de congressistas não deve ser proporcional à população brasileira? Que matemática estranha é essa? A maioria da população brasileira vive nas regiões sudeste e sul. Ou será que os votos do norte, nordeste e centro- oeste têm mais consistência que os do sul do Brasil? A maioria dos eleitores do país não consegue eleger a correspondente maioria parlamentar, privilégio que é assegurado à minoria dos eleitores nacionais.

– Seja bem-vindo amigo. De onde vem mesmo o nobre colega?
– Do Paraná.
– Então é sulista. Tudo lhe vai bem, não é mesmo? Feliz de quem representa o sul-maravilha.

A propósito, não só na Câmara dos Deputados, como também nos Ministérios era comum ouvir- se a alusão ao sul-maravilha. Quanta hipocrisia! Era como se pretendessem dizer: o sul de nada precisa. Deixe tudo para nós, a turma da “maioria”.

Se por um lado os sulistas, denominação habitual dada aos constituintes do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, nos sensibilizávamos ante os pleitos da “maioria” a exemplo da destinação de 03% do IPI ( imposto sobre os produtos industrializados) a favor do desenvolvimento do nordeste, estranhamos a inexistência da contrapartida, quando, por exemplo, aguardávamos reciprocidade quanto ao ICMS sobre a energia elétrica gerada por Itaipu. Nada mais lógico do que na venda da energia elétrica para outros Estados, o ICMS beneficiar o Paraná até mesmo para compensar o solo fértil imenso utilizado para a formação do colossal lago de Itaipu. Ao contrário disso, de acordo com o artigo 155, inciso X, letra b , o benefício foi negado ao Paraná.

A verdade é que, no índice das reformas pautadas, é fundamental que se reforme também o parlamento brasileiro, a começar pelo número de representantes. Pesa excessivamente nos ombros dos contribuintes o pagamento de tantos representantes do povo. É excessivo o número de congressistas. Os Estados Unidos, maior potência econômica do planeta e com população muito superior à nossa, contenta- se com um número de congressistas muito inferior ao de nosso Poder Legislativo Federal.

Durante a Assembleia Nacional Constituinte, qualquer proposição que pretendesse corrigir as graves distorções, desde a caótica fórmula da minoria de eleitores eleger a maioria e vice-versa já surgia morta pretendida iniciativa pela coesão imbatível do norte, nordeste e centro- oeste, estratégia inventada pela ditadura militar para a eleição dos generais presidentes pelos “colégios eleitorais”.

É preciso reformar o Legislativo. Hoje, podem faltar verbas para atender a flagelados pelas intempéries, mas não para as dezenas de bilhões repassados para o “forte legislativo” montado para eleger os de sempre e que a todos nós tanto envergonha.

Nunca ao longo de nossa história se praticou tanto o ” oma lá, dá cá”, quanto se tem praticado a partir do orçamento secreto, descoberta genial e exclusiva a enxovalhar a nossa história.


(*) Tadeu França – professor universitário e ex- deputado federal constituinte.

Foto: Jonas Pereira/Agência Senado