A era das trevas

A humanidade está se encaminhando lenta e inexoravelmente, em direção a uma espiral descendente e sem retorno

Uma dezena de pacientes aguardava horário para atendimento médico. Na sala de espera, o aparelho de televisão sintonizado no programa gastronômico pouco atraía a atenção dos presentes. Nem o cordial e necessário “bom dia” de um ou outro recém-chegado encontrava resposta. Todos completamente abduzidos pela tela colorida. Assim como também as pessoas pela rua. No ponto de ônibus. Na cafeteria da esquina, onde o movimento de levantar a xícara era alternado com o manuseio do viciante equipamento eletrônico da atualidade. Na condução do veículo automotor, uma conferida nas mensagens, outra no fluxo de tráfego e mais uma no sincronismo do semáforo. Tudo feito sem pudor algum. Nas praças de alimentação, o aroma e o sabor dos alimentos são relegados em segundo plano, pois o péssimo costume da maioria predomina sobre as boas práticas alimentares. Nos encontros familiares, nos programas dominicais, até mesmo em cultos religiosos e exéquias está presente o som estridente de um aparelho celular, geralmente em volume escandaloso para a ocasião.

A humanidade está se encaminhando lenta e inexoravelmente, em direção a uma espiral descendente e sem retorno. As imposições tecnológicas atuais promovem a perda gradual de habilidades cognitivas, por conta da inserção de incontáveis facilidades eletrônicas em nosso cotidiano. As recentes gerações demonstram dificuldades recorrentes na resolução de operações básicas de matemática como adição, subtração, divisão e multiplicação. Da tabuada, os mais novos sequer ouviram falar. Com o advento da tecnologia, transferiu-se automaticamente para a máquina artificialmente pensante a responsabilidade em processar informações, em detrimento da imprescindível estimulação do cérebro, como forma de preservação de suas funções primordiais. A tendência se reveste de gravidade maior ainda no momento em que, por conta dos excessos cometidos pelos usuários, o hábito acaba se tornando um vício alienante, muitas vezes incontrolável. É fato comum a manipulação do aparelho celular aleatoriamente, sem motivos justificáveis. Isso leva naturalmente a uma condição de ansiedade permanente, causando efeitos danosos no desempenho de atividades profissionais e interações sociais, não raro sendo fator agravante de incidentes dos mais variados possíveis.

As consequências do excesso no uso de tecnologias se multiplicam em complexidade e diversidade, afetando pessoas de todas as faixas etárias. Obviamente crianças e jovens estão mais propensos e suscetíveis, por suas naturais fragilidades físicas e emocionais e pela personalidade ainda não consolidada. Enfermidades decorrentes dessa prática já são tratadas como prioridade de saúde pública, como os desajustes comportamentais, ansiedade, depressão, comprometimento da acuidade visual, lesões por esforço repetitivo, ocorrência graves de más posturas corporais, entre outras. Nota-se ainda, que as pessoas atualmente apresentam impaciência e intolerância em todos os ambientes, demonstrando falta de equilíbrio e bom senso, supostamente efeitos colaterais do uso indiscriminado da conexão digital.

É evidente que o uso moderado e consciente da tecnologia proporciona uma vasta gama de benefícios, porém há que se encontrar o ponto de equilíbrio nessa nem sempre equalizada relação. Negligenciar a educação de crianças, permitindo o uso do equipamento desde a primeira infância, muitas vezes com acesso irrestrito à rede mundial de computadores é uma postura temerária, que pode comprometer seriamente o futuro de uma geração. E a persistir essa situação, estaremos cada dia mais próximos da era das trevas. Quem viver verá.


(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR.