Incoerências aparentes

Se acreditamos que a vida é eterna, não é coerente falarmos em ‘muitos anos de eternidade’

O conhecimento da filosofia espírita nos faz considerar incoerentes algumas crenças que estão arraigadas em nós, desde que atingimos a fase de capacidade de discernimento.

Por exemplo, nos versos cantados em aniversários, no trecho ‘muitas felicidades muitos anos de vida’, que também usamos em mensagens aos aniversariantes, pois, se acreditamos que a vida é eterna, não é coerente falarmos em  ‘muitos anos de eternidade’, e a longevidade pode ser infelicitante.

Outras incoerências aparentes, veremos a seguir, em texto da redação do Momento Espírita:

 ‘O mundo, por vezes, parece grandemente injusto. Honestos pais de família não encontram emprego. Políticos corruptos safam-se das consequências de seus atos equivocados. Pessoas dignas levam vidas sofridas e morrem com pouca idade. Homens cruéis e levianos vivem na abastança e por longo tempo.

As aparentes injustiças do mundo são incompreensíveis sob o prisma de uma única existência. Sem um histórico anterior de erros e acertos, o que justificaria as doenças congênitas, as mortes em tenra idade? A existência de Deus é incompatível com o acaso e a injustiça regendo a vida das criaturas. É própria à ideia de Deus a posse de todas as virtudes em grau máximo. Caso contrário, a Divindade poderia ser superada, em algum aspecto, por outro ser. Então esse ser é que seria supremo. Deus é sumamente bondoso, sábio e poderoso.

O Espiritismo fornece a chave que permite compatibilizar as aparentes incoerências do mundo com a amorosa tutela do Criador. Trata-se da reencarnação ou pluralidade das existências. Todos os Espíritos são anjos em potencial. Mas incumbe a cada um desenvolver os próprios dons. O processo da evolução espiritual é vasto e se realiza em diversos mundos e mediante inúmeras encarnações.

Quando um Espírito atinge o máximo do desenvolvimento que um planeta comporta, ele passa a outro. A Terra ainda é um mundo pouco evoluído. Isso se percebe pelos numerosos vícios que ainda são mantidos por seus habitantes. O egoísmo ainda é uma constante na imensa maioria das pessoas.

As condições materiais do planeta guardam relação com o nível evolutivo dos Espíritos aqui radicados. Como estes ainda encontram satisfação com coisas grosseiras, a existência terrena é bastante materializada. À medida que os Espíritos se sublimarem e desenvolverem gosto por questões transcendentes, o viver humano se suavizará.

Mas a realidade é que os Espíritos atualmente vinculados à Terra são imperfeitos. Em maior ou menor grau, precisam burilar o próprio caráter e amealhar virtudes. Também necessitam domar vícios desenvolvidos em outras existências e quitar velhas dívidas. Desse quadro não fazem parte as almas missionárias, que por amor aceitam viver entre nós algum tempo.

Contudo, o relevante é que a existência humana não é um passeio ou um piquenique. Todos os que nascem na Terra vêm com o propósito de se reajustarem perante a própria consciência e evoluírem. Isso explica as dificuldades e as aparentes incoerências do viver.

Pessoas boas que sofrem resignadamente são Espíritos seguindo o programa de reabilitação que traçaram no plano espiritual. São semelhantes a devedores que fazem economia a fim de saldar suas dívidas. Submetem-se a um regime severo para conseguir uma rápida libertação. Em breve, serão candidatos a existências sublimes em mundos mais evoluídos.

Por outro lado, quem ainda se permite fazer o mal, deve ser lamentado. Com seu agir equivocado, forja algemas que o prenderão a inúmeras situações dolorosas e constrangedoras. Nesse contexto, não causa surpresa que homens cruéis tenham vida longa. A existência que se estende para tais seres reflete a Misericórdia Divina. Falhos de compreensão, necessitam de tempo para perceber a própria realidade.

Ao final, cada ser dá conta de suas construções à própria consciência. Qualquer injustiça ou incoerência é apenas aparente. Em todo lugar, a Justiça Divina vigora em Sua plenitude.

Pensemos nisso, coerentemente.