Escárnio olímpico

A liberdade individual, como a uma via de mão dupla, se reveste de determinadas condicionantes, para que seja reconhecida em sua plenitude

Pela primeira vez na história dos jogos olímpicos, a cerimônia de abertura de uma Olimpíada foi marcada pelo ineditismo, por ser realizada fora de um estádio. As apresentações musicais e artísticas aconteceram em ruas, edifícios e até em telhados da charmosa e outrora glamorosa Paris, às margens do Rio Sena. E a inovação não parou por aí. A organização do evento resolveu ousar ainda mais, ao idealizar uma representação cristã da Última Ceia em forma de paródia, composta por figurantes ao estilo drag queens e congêneres. Imagina-se que a intenção dessa demonstração de insensibilidade tenha como argumento principal a inclusão de grupos supostamente discriminados pela sociedade, ou algo nesse sentido. Ocorre que, pela complexidade do tema e do momento absolutamente inadequado, essa tentativa em ”celebrar a comunidade e a tolerância” parece ter suscitado efeito contrário ao esperado.

Desnecessário. Extemporâneo. Descontextualizado. Provocativo. Desrespeitoso. Entre tantos sinônimos análogos, é tarefa árdua encontrar o termo mais adequado para aquela situação constrangedora. Não obstante a indiscutível necessidade em se reputar e respeitar plenamente posições e comportamentos distintos, há que se avaliar com isenção a questionável iniciativa. A liberdade individual, como a uma via de mão dupla, se reveste de determinadas condicionantes, para que seja reconhecida em sua plenitude. É preciso demonstrar respeito para ser respeitado. Ao zombar gratuitamente do cristianismo, os protagonistas daquela lamentável cena deixaram o respeito de lado, ultrapassando os limites do discernimento e da prudência.

O cerimonialista e diretor criativo do evento justificou a cena como “uma grande festa pagã ligada aos deuses do Olimpo” e “queria que a cerimônia unisse as pessoas, que as reconciliasse, mas também uma cerimônia que afirmasse nossos valores de liberdade, igualdade e fraternidade”. Porém, a incongruência dessas assertivas é nítida, no momento em que não se consegue reconciliar as pessoas faltando-lhes com o respeito acerca de suas convicções religiosas; e os valores de liberdade, igualdade e fraternidade dos cristãos muito provavelmente diferem daqueles exibidos por performances premeditadamente despudoradas. Incoerência ainda verificada na proibição da imagem do Cristo Redentor na prancha de surf do competidor brasileiro, que de acordo com o artigo 50 do regulamento da competição, “não é permitido nenhum tipo de manifestação ou propaganda política, religiosa ou racial”, que obrigou o atleta a trocar as pranchas de última hora. Se não é permitido nas pranchas, muito menos na cerimônia de abertura. É uma questão de equidade. Imparcialidade. Simples assim.

Paris, cidade-luz, destino desejado por milhões de pessoas. Além dos pontos turísticos mais visitados do planeta, a capital francesa oferece uma gastronomia requintada, os melhores perfumes, dezenas de museus, restaurantes finíssimos, óperas maravilhosas, passeios de barco, vida noturna intensa, enfim, tudo o que o bolso e a imaginação do turista permitir. Essa seria a imagem perfeita a ser perpetuada na mente dos admiradores desse patrimônio cultural da humanidade. Entretanto, poder-se-ia com toda propriedade incluir nesse rol de adjetivos as greves, as manifestações frequentes contra medidas econômicas, a escalada da violência, a população incontrolável de roedores, a poluição visual, sonora e ambiental, entre outras. E agora, a inesquecível olimpíada da inclusão. Au revoir, Paris.


(*) José Luiz Boromelo, escritor e cronista em Marialva/PR.