Um juiz reto
Que todos os magistrados atuem magistral e retamente, como Eleaquim
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Buscando um tema para a reflexão da semana, nesta coluna, encontrei uma frase: “É tão fácil ser bom, o difícil é ser justo’’, atribuída a Victor Hugo, romancista francês (1802-1885).
Pensei, pensei, e tendendo a discordar, pois os conceitos de bom e justo são subjetivos, dependendo do ponto de vista de cada um, lembrei de uma passagem evangélica em que Jesus, ao ser chamado de bom, disse que bom é só Deus, que está no céu.
Não é tão fácil ser bom. E ser justo? Recorri a uma fonte preciosa com textos, que me levam a refletir sobre quase tudo, o Momento Espírita, e encontrei o seguinte com o título que tomei emprestado, com a intenção é refletirmos sobre a justiça humana, num tempo em que alguns membros do judiciário são acusados de um crime que deveria ser tipificado como hediondo, a venda de sentenças. Vejamos:
‘Ao tribunal de Eliaquim ben Jefté, juiz respeitável e sábio, compareceu o negociante Jonatan ben Cafar arrastando Zorobabel, miserável mendigo: Este homem, clamou o comerciante, furioso, impingiu-me um logro de vastas proporções. Vendeu-me um colar de pérolas falsas, por cinco peças de ouro, asseverando que valiam cinco mil. Comprei as joias, crendo haver realizado excelente negócio, descobrindo, afinal, que a preço delas é inferior a dois ovos cozidos. Reclamei diretamente contra a mistificador, mas este vagabundo já me gastou o rico dinheiro. Exijo para ele as penas da justiça. É ladrão reles e condenável…
O magistrado, porém, que cultuava a Justiça Suprema, recomendou que o acusado se pronunciasse por sua vez: Grande juiz, disse ele, timidamente , reconheço haver transgredido os regulamentos que nos regem. Entretanto, tenho meus dois filhos estirados na cama e debalde procuro trabalho digno, pois mo recusam sempre, a pretexto de minha idade e de minha pobre apresentação. Realmente, enganei o meu próximo e sou criminoso, mas prometo resgatar meu débito logo que puder.
O juiz meditou longamente e sentenciou: Para Zorobabel, o mendigo, cinco bastonadas entre quatro paredes, a fim de que aprenda a sofrer honestamente, sem assalto à bolsa dos semelhantes, e, para Jonatan, a mercador, vinte bastonadas, na praça pública, de modo a não mais abusar dos humildes.
O negociante protestou, revoltado: Que ouço? Sou vítima de um ladrão e devo pagar por faltas que não cometi? Iniqüidade, iniquidade…O magistrado, todavia, bateu forte com um martelo sobre a mesa, chamando a atenção dos presentes, e esclareceu, em voz alta:
Jonatan ben Cafar, a justiça verdadeira não reside na Terra para examinar as aparências. Zorobabel, o vagabundo, chefe de uma família infeliz, furtou-te cinco peças de ouro, no propósito de socorrer as filhos desventurados, porém, tu, por tua vez, tentaste roubar dele, valendo-te do infortúnio que a persegue, apoderando-se de um objeto que acreditaste valer cinco mil peças de ouro ao preço irrisório de cinco.
Quem é mais nocivo a sociedade, perante Deus: o mísero esfomeado que rouba um pão, a fim de matar a fome dos filhos, ou a homem já atendido pela Bondade do Eterno, com os dons da fortuna e da habilidade, que absorve para si urna padaria inteira, a fim de abusar, calculadamente, da alheia indigência? Quem furta por necessidade pode ser um louco, mas quem acumula riquezas, indefinidamente, sem movimentá-las no trabalho construtivo ou na prática do bem, com absoluta despreocupação pelas angústias dos pobres, muita vez passará por inteligente e sagaz, aos olhos daqueles que, no mundo, adormeceram no egoísmo e na ambição desmedida, mas é malfeitor diante do Todo-Poderoso que nos julgará a todos, no momento oportuno.
E, sob a vigilância de guardas robustos, Zorobabel tomou cinco bastonadas em sala de portas lacradas, para aprender a sofrer sem roubar, e Jonatan apanhou vinte, na via pública, de modo a não mais explorar, sem escrúpulos, a miséria, a simplicidade e a confiança do povo.’
Que todos os magistrados atuem magistral e retamente, como Eleaquim.
Foto: Katrin Bolovtsova/Pexels